Monday, December 17, 2007
O Natal do meu avô - My grandfather's Christmas
O colo do meu avô era doce. O seu corpo cheirava a terra orvalhada, coentros e favas, e amendoim a estalar quente na boca do forno. O meu avô tinha sabor a massa sovada, pevides de abóbora e melancia, couve beijada pela brisa da madrugada. O meu avô exalava odores de batata nova, tabaco, amoras selvagens e uvas de Setembro.
Ele era Verão e Inverno, a amálgama diversa dos sons e emoções de cada estação. Era as festas da aldeia, a fogueira de S. João e o abraço nas noites de trovoada. O meu avô tinha o perfume dos silêncios, do amor sem fala, do carinho sem grandes palavras. E o meu avô tinha o cheiro de Natal: laranjas, tangerinas. Na minha boca e nos meus olhos as ceiras de figos, os licores de anis, o pinheiro enfeitado com os postais que vinham de longe…e o presépio, por onde as mãos enrugadas do meu avô Manuel encaminhavam a minha curiosidade por montes e vales em miniatura cobertos de musgo veludoso e ruas de farelo.
Aqui a matança do porco. Mais além a procissão da aldeia, a coroação do Espírito Santo, o Império e a loja do Canto da Fonte; a banda de música, o pastor e as ovelhas. Mais ao longe as mulheres junto à fonte, outras que lavam na ribeira. A igrejinha de pedra com as suas portas abertas onde o padre e o alfaiate estão de conversa; os animais no bebedouro e as pequenas ruas num arrendado de farelo e pinho.
O candeeiro iluminava a face serena do meu avô junto ao presépio. O cão beijava-lhe as mãos de seda e, o seu olhar perdia-se no intrincado das labaredas, que a lenha alimentava para a fornada de pão de milho e cavala assada.
O vento e a chuva chicoteiam o telhado. "Tu sabes que tenho medo dos céus quando se tornam infernos. Minha avó com as superstições do seu tempo afoga-me de medos. Não devo olhar para o paraíso em fúria, pois Deus pode julgar o meu descaramento e tirar-me da cara os olhos. A afronta é penalizada com a cegueira e depois como poderei ver de novo o carinho nos teus olhos, meu querido avô?
Apagas-me da alma o conflito e ensinas-me a olhar a tempestade com o temor e admiração das coisas belas. Dás-me milho assado e eu provo das tuas mãos honradas. Ensinas-me os sabores dos figos passados e deixas que prove da ‘mijinha do menino”.
Deixei de ter medo "da cara feia do tempo", porque sei que estás aqui, do meu lado com os teus silêncios em guarda, para que o Natal passe por nós no sossego dos justos.
E eu hoje aqui avô, tão longe daquele que por um breve instante foi o nosso tempo, aguardo o teu afago tranquilo e gomos de laranja frescos, que desprendes com destreza para me ofereceres. Aqui longe, somando tantos passos esquecidos e vales que as estradas engoliram, olho a nossa cozinha e os gatos a miar.
"Tás tão rosada, minha avó ao pé deste forno".
A pá enfarinhada despeja a massa redondinha. Lá vai mais um "calzinho" tia Beatriz que a noite está fria?
Minha avó permanece calada, ensopada de suor, absorta no calor que emana do forno. Tem a cara enfarinhada e pouco tempo para a conversa.
Eu e o meu avô vamos juntos à Missa do Galo para beijar os pés nus do Menino Jesus.
Feliz Natal avô Manuel. Obrigado pelas memórias que a pressa deste tempo consome o nosso retrato.
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