Thursday, May 29, 2008

OS PORTUGUESES MUDARAM TORONTO

Tal como os pais, os jovens
portugueses dão valor ao trabalho




Entrevista e fotos
Humberta Araújo
Toronto

“A comunidade de língua portuguesa é vibrante, activa e integrada na cidade em áreas tão diversas como a cultura, os negócios e a política. É literalmente possível dizer-se que a comunidade portuguesa, foi uma das comunidades que construiu Toronto. Os portugueses foram muito activos no movimento sindical assegurando protecção aos trabalhadores. Numa perspectiva muito pessoal, recordo que a minha mãe ao vir para Toronto após ter vivido em Londres durante o “blitz” acabou por abandonar a cidade. A razão, segundo me disse, foi porque achou Toronto “desinteressante”. Esta situação mudou definitivamente a partir dos anos 50 e 60. Toronto tornou-se numa cidade dinâmica, viva e de sucesso. A comunidade portuguesa é uma das razões desta mudança. De uma cidade tipo presbisteriana, Toronto passou a ser uma urbe mais europeia, com charme e interesse. Sem dúvida que os portugueses contribuíram, enormemente para esta mudança."
Impostos para todos
Os membros da comunidade de língua portuguesa, tal como todos os outros cidadãos deste município contribuem para as finanças da autarquia e são afectados por toda e qualquer decisão do município. David Miller diz estar consciente da situação e que apesar dos apertos financeiros do orçamento camarário, que obrigaram à implementação de novos impostos, estas novas cargas fiscais não afectam os trabalhadores. "Com a integração de outros municípios, a cidade não possuía os fundos financeiros necessários para fazer aquilo que os seus munícipes esperavam. Desde esta altura – 10 anos ainda antes da minha presidência - que o município tem sobrevivido com dificuldade. Tivemos algum apoio do governo provincial de Dalton McGuinty, mas continuamos a ter problemas financeiros, em parte devido ao facto de o governo ter transferido para a câmara responsabilidades da província nas áreas dos serviços sociais e transportes, que agora devem ser pagos pela cidade. Os novos impostos foram para meter os nossos ‘livros’ em ordem. Posso dizer que este ano temos o nosso primeiro orçamento equilibrado. Assim pudemos conservar serviços essenciais para os cidadãos, entre eles os portugueses."
Consciente da polémica em torno do “Land Transfer Tax” Davi Miller continua a defender o novo imposto, considerando-o justo. “Na minha perspectiva este é um imposto equitativo porque atinge quem tem mais, financiando os serviços para todos. É também um imposto progressivo. Se tem uma casa que vale mais do que um milhão de dólares, o imposto cobrado durante a transacção reverte a favor da cidade. Obviamente, que esta pessoa paga substancialmente mais do que se a casa custasse 250 mil. Se a sua casa vale menos de 400 mil e é a primeira vez que concretiza uma transacção não paga nada." Na prática”assegura Miller “este imposto progressivo cobra aos que têm mais, em beneficio de todos e, especialmente dos que possuem menos. Acho que esta filosofia se adapta perfeitamente aos princípios dos canadianos e possibilitou-nos que preservássemos não só serviços actuais, como investíssemos em novos programas que as pessoas desejam.”

“Vamos ganhar o GST”
Para David Miller estas medidas fiscais “ajudaram muito” embora existam ainda algumas áreas a rever, nomeadamente na forma de funcionamento do imposto sobre a propriedade. “Este ano arrecadamos exactamente o mesmo montante de impostos que o ano passado, com excepção para os novos imóveis. Na prática, se num local o valor de uma propriedade subir e, consequentemente aumentar o total arrecadado pelo imposto, noutro local da cidade outra pessoa paga menos. Por esta razão recebemos o mesmo. Porém, as nossas despesas continuaram a aumentar, em parte por causa dos serviços que usam combustíveis. O combustível continua a subir, mas nem por isso os dinheiros da câmara aumentam. O “Land Transfer Tax”vai ajudar um pouco a ultrapassar esta situação, mas a longo prazo vamos necessitar, tal como acontece na Europa de termos um imposto de venda – “Sales Tax”. Por isso “salientou o presidente da câmara, “estamos a trabalhar muito na campanha "1 cêntimo do GST.” Miller considera que a luta da edilidade a favor desta fatia do GST está já a dar passos significativos para a sua institucionalização. “Registamos já nesta matéria algum progresso. Os Liberais e o NDP mostram muita sensibilidade para a nossa luta. O governo federal dos Conservadores não tem neste momento ainda opinião positiva sobre o assunto. De registar, no entanto, que no Outono passado em algumas cidades, o imposto sobre gás foi implementado. Acho que tal aconteceu porque o parlamento aprovou tal medida na sequência da mossa campanha pelo GST. Levou-nos 7 anos para termos o imposto sobre o combustível. Estamos a lutar por uma fatia do GST há um ano. Cedo ou tarde vamos ver o nosso desejo realizado porque esta é uma luta justa.”
A propósito dos fundos federais para as cidades, Miller relembrou a sua recente visita à China, onde constatou situações em que os municípios usufruem de importantes meios financeiros advindos dos impostos federais. “Acabei de vir de uma visita à China e o município que visitei recebe metade das receitas fiscais. Nós recebemos seis cêntimos por dólar. Não admira que a China esteja a investir.”
Apesar dos contratempos nesta campanha por uma fatia do GST, David Miller está optimista. “Iremos ganhar esta luta. Uma percentagem de 65% dos canadianos concorda com esta medida. E quando os canadianos concordam, eventualmente o parlamento acaba também por concordar”.

“Temos que seguir o exemplo europeu”
Miller vê na Europa muitos exemplos a seguir pelos governos centrais relativamente ao seu espaço territorial. “Quando olhamos para a Europa, através da União Europeia ou outros, verifica-se investimento. Na Europa vê-se investimentos nas infra-estruturas e nas pessoas. Nós aqui temos uma cidade moderna, excepcional e da qual estamos muito orgulhosos. Todavia, necessitamos de investir também. Temos por exemplo um projecto nos transportes. O “Transit City” pretende construir um sistema de transporte rápido por toda a cidade. Já conseguimos algum dinheiro da província e estamos já a começar a construir três novas linhas. Os estudos de impacto ambiental estão em marcha. Estes investimentos criam empregos, tornam a cidade mais atractiva para quem nela quer viver.” Miller exprimiu a sua admiração pelo sistema europeu, considerando que ele tem apoiado o desenvolvimento integrado das suas parcelas. “Temos que começar a pensar do mesmo modo e a apanhar o comboio da Europa e da China para começarmos a andar.”



Uma das questões levadas ao presidente da câmara esteve relacionada com o facto da "Sociedade Portuguesa dos Deficientes/Society of Portuguese Disabled Persons" estar há muito tempo a lutar pela isensão dos impostos pagos pela propriedade onde funcionam os seus serviços. Apesar de ter ganho uma batalha ao ver o imposto comercial ter sido substituído pelo imposto habitacional, a luta vai no sentido da instituição ficar totalmente isenta de impostos sobre a propriedade. Apesar de promessas de alguns conselheiros municipais que estariam a lutar pela isenção, Miller diz desconhecer completamente a questão, afirmando estar disponível para analisar o problema concreto e encontrar soluções para o estrangulamento financeiro da instituição. “Existem questões a ponderar nesta situação: Os impostos provinciais, tem regras especificas ditadas pela província.
Dentro das regras provinciais a municipalidade tem alguma mobilidade. Esta situação particular nunca foi posta à minha consideração. É sempre um desafio para nós quando as pessoas transformam uma propriedade com estatuto comercial para outros fins acarretando para o município perca de rendimentos. Todavia, temos algumas politicas que se referem directamente a organizações sem fins lucrativos. É sem dúvida possível que possamos olhar para esta situação particular. Não lhe posso dar pormenores sobre este assunto em particular, até porque pode haver algumas regras provinciais que se apliquem. Mas caso sejam regras autárquicas podemos olhar, em particular, a este caso.”
A questão da criação de uma escola afro - centrista no município e as elevadas percentagens de abandono escolar no seio da comunidade portuguesa foram outros assuntos tratados com o presidente da câmara. A propósito Miller declarou ao Nove Ilhas que “eu não mando nas escolas. Evidentemente que tenho as minhas opiniões pessoais sobre o assunto. A questão de uma escola afro - centrista no nosso município é da inteira responsabilidade do executivo das escolas públicas. Estou igualmente consciente da questão que se relaciona com o abandono escolar dos jovens portugueses em Toronto, mas estes são assuntos que nos ultrapassam.”
Questionado sobre a possibilidade do município trabalhar em conjunto com a província para, no caso português, incentivar o apoio a programas de aprendizagem nas áreas dos ofícios, Miller foi peremptório.
“Nós estamos a trabalhar num importante número de iniciativas, particularmente na área dos ofícios. O Ontário tinha um programa de aprendizagem muito bom, que não foi seguido e protegido da forma como devia ter sido. Nós, cidade de Toronto, estamos a trabalhar com o governo provincial e bairros no sentido de assegurar que existam sistemas de formação profissional não só na área dos ofícios – que sabemos paga bem - mas também nas artes, nos novos media, entre outros.
A comunidade portuguesa dá muito valor ao trabalho e é normal que os jovens sigam esta filosofia de vida. Acredito que a eles se deve apresentar um vasto campo de possibilidades. Confesso que estou preocupado com a área dos ofícios pois parece-me que não tem sido dada a atenção especial que merece. Eles são muito importantes, especialmente para a cidade de Toronto, uma cidade líder na construção e afins. Temos por isso que assegurar que a formação profissional existe para quem escolhe outras formas de vida.
Buracos nas ruas: 5 dias promete Miller
O Inverno foi um dos mais rigorosos dos últimos tempos e as estradas sofreram substancialmente. “O Inverno foi muito mau, mas estamos também a pagar pelo facto da cidade nos últimos 15 anos ter deferido trabalhos de manutenção por causa de problemas financeiros. Nos últimos dois orçamentos começamos a resolver esta situação. Estamos a aumentar os serviços de manutenção e garantimos aos munícipes cinco dias no máximo, para repararmos qualquer buraco que encontrem, logo que sejamos informados. Acho que pelo final da Primavera teremos feito um bom trabalho na reparação das vias e as pessoas vão ver um melhoramento nestes serviços.”

Todos com direito à informação
A cidade de Toronto tem serviços diversificados para apoio ao munícipe e está empenhada em prosseguir serviços para todos os cidadãos. Todavia, por questões de língua não chegam a todos os munícipes. Uma delas, por exemplo referiu Miller diz respeito a uma campanha a favor do controlo de armas – Gun Ban - que Miller está a levar a efeito, Miller reconheceu ao Nove Ilhas que a cidade não tem feito um bom trabalho de informação junto dos seus constituintes.
Todavia, com a recente aprovação de novos poderes para o presidente, Miller assegura que os portugueses, como outras comunidades, vão ouvir falar mais da sua cidade. “Temos trabalhado cuidadosamente para que os órgãos de comunicação social de todas as comunidades sejam informadas dos nossos serviços e do que acontece na sua cidade. Mas a verdade é que a cidade não tem feito o melhor que pode para manter todos informados, situação que se reflectiu por exemplo, o verão passado quando tivemos que fazer cortes nos serviços camarários, porque os novos impostos tinham sido deferidos. As pessoas ficaram surpreendidas por que desconheciam que a cidade funciona num sistema de governo 'pay-as-you’.”
Esta situação resultou, segundo David Miller da estrutura existente na qual “todo o conselho administrava a cidade e ninguém era responsável por levar a mensagem para o exterior. Agora tenho esta possibilidade legal de o fazer." E, numa altura em que a comunidade portuguesa se prepara para celebrar Portugal, David Miller no final da sua conversa com o Nove Ilhas, deixou um agradecimento especial a toda a comunidade de língua portuguesa "pelo seu trabalho e contributo na construção da identidade desta cidade de Toronto."
Texto e fotos: Humberta Araújo

A TRINDADE


Faltaram os foguetes. Não que me pareçam imprescindíveis. Sempre os achei um incómodo. Incomodava-me aquele rebentar contínuo e, eu ali, debaixo de um sol quente, colada às mãos da minha avó, sempre à espreita não me fosse cair em cima um resto quente de uma roqueira ou de um bombão e, acabasse a festa no consultório do Dr. Sampaio. Não eram só as dores que me preocupavam. Agonizava-me a imagem do Dr. Sampaio, com o seu nariz pontiagudo a olhar para mim, com aquele cheiro a álcool e a desinfectante.
Felizmente, nunca fui ferida por nenhum foguete. Considero tal possível, porque segui sempre com muita atenção a trajectória daquelas canas voadoras, que os homens aqueciam numa das extremidades onde se encontrava o pequeno recipiente de pólvora, com a ponta do cigarro. Depois do arranque inicial, lá iam as roqueiras e os “bombãs” fazendo por vezes uns ziguezagues no céu, indo terminar as suas curtas e barulhentas vidas, nos pastos ou nos quintais mais próximos.
Quando não me era exequível visionar os seus percursos, tentava encostar-me o mais possível às fachadas das casas, para me abrigar debaixo das telhas, não fosse em dia santo o diabo tecê-las.
Mas ontem em Oakville não houve foguetes a estalar nos céus, mas houve de tudo o mais que a festa da Função obriga. O pequeno império ostentando a pombinha, as crianças no coreto a jogar à bola, o ferver das sopas e as mulheres rosadas a partilhar um copo e a gargalhada, o ajudante com o suor em bico enquanto vai coando o caldo, o senhor padre feliz por ter casa cheia, a menina que aprende a preparar os tapetes de flores para a procissão, o céu azul que partilha o horizonte com a ramagem fresca que baila ao sabor da aragem, e a bandeira vermelha rasgando o horizonte, enquanto o trombone transpira e o vinho transborda.
Nada pode ser mais açoriano que isso. Nada diz mais da nossa pertença a este império que os símbolos e os detalhes da nossa herança.

Wednesday, May 14, 2008

O Meu Nome é Saudade

"O Meu nome é Saudade" faz parte de um projecto internacional que a RTP vai emitir e que pretende dar a conhecer o mundo da diaspora "infanto-juvenil".
Deixe o seu comentario sobre a historia e o que pensa do projecto. Estrangeirismos e "erros" sao proprios da linguagem utilizada pelos personagens.

Humberta Araujo
Autora

O meu nome é Saudade
My name is “Saudade”

I

“Faz-me mállássádás, grandma”

A algazarra é grande na cozinha.
“Grandma, make me some mállássádás.”
“Maria, explica-me a esta minha neta, que não estamos no Carnaval.”
“Honey, your vavó can’t cook malassadas, now. We are not in Carnaval.”
“Please mom, ask vavó to make mállássádás for me. Pode ser just one…please.”
“Dear Nancy, vavó can’t just cook one malassada. Besides, they are just made during Carnaval. E agora estamos no Verão.”
“Mas eu gosta tanto, mãe. Please…”
“Ok Saudade,” diz a avó Beatriz, que escuta a conversa entre neta e filha. “Esta menina é uma gulosa. Granma vai cook malassadas for you. Mas diz direito com a avó: malassadas”
“Mállássádás.”
“No, Saudade! Malassadas.”
“Mállássádás.”
“Ok, mállássádás. Dá cá um abraço forte à tua granma.”
“ Thank you, querida granny. I love you.”
“I love you too, Saudade.”

Nancy, é o meu nome. Mas a minha avó chama-me Saudade. Por isso sempre tive dois nomes: aquele pelo qual sou conhecida na escola pelos professores e amigas; o outro pela minha avó. Na nossa casa, o meu pai que não é português, também me chama Saudade. A minha grandma não fala muito inglês. Ela emigrou para o Canadá há muitos anos para se juntar ao meu avô, que trabalhava nos caminhos-de-ferro. Mas eu sei que ela sabe mais inglês do que mostra. A minha avó é muito orgulhosa, e só quer que se fale português na nossa casa.
“Please grandma give me a cookie.”
“Não sei o que estás a dizer. Mas se queres ‘cookies’ o melhor é pedires biscoitos.”
E ela ri muito. Eu adoro rir com a minha grandma. A minha mãe também se diverte muito com a teimosia da minha avó. As duas estão sempre a falar entre si e, eu divirto-me imenso, a ouvi-las. Parecem duas papagaias. Eu percebo muito pouco do que dizem. Acho que isto é mau, porque com toda a certeza, fico sempre de fora de muitos dos seus segredos. O meu pai também quer aprender português para fazer parte das conversas entre a avó e a mãe. Ele costuma dizer, a brincar, que as duas conspiram contra ele.
Quando elas estão juntas, gosto de ficar abraçada ao meu daddy, a olhar a avó e a mãe à volta das hortaliças e das carnes, que elas transformam em deliciosos pratos e sobremesas portuguesas.
Amanhã na minha escola há um festival de culturas. Só na minha turma tenho amigos e amigas de oito países diferentes: China, Iraque, Brasil, Jamaica, Índia, México, África do Sul e Vietname. Cada um de nós leva um prato típico preparado pelas nossas famílias. Alguns alunos vestem os seus trajes típicos. Gosto muito deste festival, porque fico a conhecer novos costumes, e posso dançar ao som de músicas de outros países.
Para este festival a minha avó, com a ajuda do pai, prepara um prato de arroz- doce enfeitado com corações de pó de canela. Este é um dos doces preferidos do meu father. Por isso ele já aprendeu a confeccioná-lo. Esta responsabilidade torna a minha granny nervosa. Ela fica sempre muito preocupada quando os seus pratos vão ser apreciados por outras pessoas.

“George, os hearts…no good! No good…too grandes. Pequenos, make them small, please…”
O pai, que não tem a paciência da minha grandma, vai desenhando no arroz grandes corações de canela, que na verdade mais parecem balões a rebentar.

“George…small…corações…please!”
O meu daddy, que já tem canela nos bigodes, começa a transpirar. Eu e a minha mãe ficamos as duas ao longe a observar e a rir. Acho aquela cena muito engraçada. A minha granny é que não está a achar graça nenhuma com o trabalho do meu querido pai.
“Sorry” diz o meu pai. Pérdoa-mê vóvó, diz ele abraçando a minha grandma, que já tem um sorriso do tamanho da lua, quando parece uma fatia de melancia.
“Ok…Ok…estás perdoado. Come here. Tenho arroz na panela para rapares.”
Agora sim, o meu pai com bigodes de canela, está completamente feliz.

II
O lanche

Estou a caminho da minha escola. Hoje vou poder provar muita comida saborosa e diferente. Mesmo assim, a minha avó insistiu para que eu levasse sopa quentinha para a escola. A minha grandma faz-me sempre uns lanches muito completos: sopa, sandes, fruta, sobremesa e um sumo. Eu sou a única pessoa naquela turma que tem um lanche assim. Por vezes, sinto-me embaraçada, porque todas as minhas amigas, levam lanches mais simples. Mas o meu tem sempre uma sopa. Para não deixar a minha granny triste, ofereço a sopa à minha amiga chinesa Chen, que adora os caldos da minha
avó. Em troca, ela dá-me os seus biscoitos da sorte. Gosto de abrir os “fortune cookies” para saber o que a sorte me reserva para cada dia.
“Saudade, minha querida neta. Comeste a sopinha toda?”
“Grandma eu come dessas comidas Portuguese que tu faz, mas eu não goste’ to take sopas to school.”
“Eu como querida! Não eu come. E as sopas are very good for you! O que é que a minha linda neta queria? Pão com peanut butter? Nem pensar. Não para a minha beautiful Saudade.
“Please grandma, eu não gosto de levá these soups all the time.”
“Saudade…gosto de levar…please. Tem cuidado com os verbos.”
“Grandma estes verbs são very dificult para mim…”
“Eu só tive a quarta-classe, mas vou ensinar-te os verbos em português, para nunca mais te enganares. Ok?”
“Ok, grandma. Depois me dizes também why you call me Saudade?”
“Digo-te one day. Um dia a avó explica-te why granma calls you, Saudade. Agora vamos aos verbos.”
“No more sopas grandma to escola. Please?”
“Vou pensar. Granma gone think. Se aprenderes os verbos, maybe granma não faz mais sopas?”
“Ok vavó. I love you!”
“Então vamos lá: eu como, tu comes, ele come…”
“Eu come, tu comas…”

III
O mandado

Hoje é Domingo. Ontem a minha avó ensinou-me um pouco mais dos verbos. Hoje, como sempre, ela levantou-se cedo. É o dia da missa. A mãe e o pai gostam muito do Domingo porque sempre podem dormir mais um pouco. Mas nunca perdem a missa. Vamos sempre juntos à igreja portuguesa. Eu não entendo muito o que o senhor padre diz, mas tenho a certeza que são coisas muito importantes, pois a minha granny fica espetada, que nem um lápis, a escutar com muita atenção o que o senhor padre diz. Não sei como é que ela consegue ficar tanto tempo parada e calada, pois em casa ela nunca descansa. Na igreja, quando a avó faz o sinal da cruz, ela fica sempre a olhar para mim, para ver se o faço direitinho, tal qual ela mo ensinou.
Aos Domingos, quando me levanto, o breakfast já está preparado e esperando por mim. Mas a minha granny faz um prato especial só para ela. E, ainda bem que assim é, porque aquela sopa que ela come, é mesmo muito estranha.
Chamam-se sopas de leite. Ela ferve o leite e depois espalha-o sobre o pão, que ela esmagou numa tigela grande, com as mãos. Depois junta açúcar.
“Grandma eu ‘pode’ meter o sugar?”
“Não é ‘pode’ querida. É posso.”
“Ok grandma. Posso meter o sugar?”
“Sim, minha querida Saudade. Vem cá para o colo da tua granma para provares um bocadinho das minhas sopas.”
“NO WAY!… Sorry grandma… No sopas de milk for me.”
Eu não gosto daquele breakfast da minha granny, mas gosto de saber da história das sopas. A minha vavó sabe muitas histórias. Algumas são verdadeiras, como aquela em que ela não podia ler ou brincar depois da escola.
“Mas o que fazias grandma after school?”
“Bom, depois da escola ia trabalhar. Ajudava à tua bisavó na cozinha. Ela sempre tinha coisas para eu fazer: descascar batatas, polvilhar a pá para levar o pão ao forno; procurar lenha para o lume; varrer a cozinha e tratar dos animais.”
“Animals…I love animals grandma…tell me about os teus animals”.
“Bom a avó ia tratar do porco, recolher os ovos e ver se tinham nascidos pintainhos. Dava comida e água ao meu cão, que se chamava Campeão. Apanhava ainda a roupa do fio e flores para enfeitar a casa.”
“Muito work grandma.”
“Sim. Mas todos trabalhavam lá em casa. Tínhamos que nos ajudar uns aos outros. Mas o que a granma mais gostava era de fazer mandados.”
“Manados? What is manados grandma?”
“Mandados querida? Bom como vou explicar? Olha, pergunta à tua mãe.”
“Mommy, mommy… what’s fazer manados?”
“Mais uma palavra portuguesa da tua grandma? Ok, honey… It means to go to the cornerstone to buy something, like milk, sugar or cheese. Um mandado was an errand. It was a job with lots of responsibility. Se te mandassem fazer um mandado, it meant that you were grown and ready to accept responsibilities.”
“Ok mommy posso ir fazer um manado para ti?”
“Mandado, querida. Soon honey. Um dia destes deixo-te ir, está bem?”
“Grandma… mother vai me mandar fazer um manado soon.”
“Que bom, querida... um manado.”
Granny and mommy riem às gargalhadas e abraçam-se.
“Vem cá Saudade, que a granma quer dar-te uma coisa.”
A minha grandma has a ‘piggy-bank’ hiding under her skirt. Num lindo lencinho bordado, ela guarda o seu dinheiro, que depois pendura no cinto da saia. Eu gosto de abrir o lencinho e encontrar notas e moedas que ela vai poupando.
“Grandma, porque guardas o teu money num lencinho?”
“É um velho costume da nossa terra. O money era pouco e poupávamos muito. Por isso tínhamos esta nossa carteira, feita com um lencinho, para guardar o dinheiro necessário para o dia a dia.”
“Eu também want um lencinho like your’s grandma.”

“E olha, aqui tens uma nota grande.”
“Obrigado grandma. Vou meter no meu lencinho, também.”
De repente, a campainha toca. Que bela surpresa…”

IV
Os jogos

“Hi uncle Charles. I am so happy to see you. I have a lencinho, like grandma, and mom will let me do a manado?”
“A what…?”
“Um mandado, Carlos,” explica a minha avó.
“Ok um mandado? That’s wonderful. I always loved mandados.”
“Mãe, lembras-te quando eu e a Maria brigávamos para irmos à loja do senhor Manuel fazer os mandados?”
“Sim filho, lembro-me bem!”
“Uncle, you also did manados?”
“Yes Nancy, and I always got to buy a soft drink, as a reward. It was called a Pirolito.”
“Piro…what? A soft drink with a very funny name.”
“It was the best soft drink ever. Eram deliciosos aqueles pirolitos.”

Eu estou muito feliz com a visita dos meus tios e das minhas primas. Agora compreendo porque a minha avó está a cozinhar tantos pratos diferentes.
“Crianças, it’s a beautiful day. Kids go to the park with uncle.”
“Maria, fala-me português com estas crianças.”
“Sim mãe, desculpa. Tens razão.”
Sei que a minha avó esta a ralhar com a minha mãe por falar em inglês connosco. É sempre assim com a minha avó.

Quando o sol está inteirinho no céu a olhar para mim, eu fico contente. E hoje estou duplamente alegre, pois o sol está gordinho e as minhas primas encontram-se comigo.
O meu tio gosta muito de nos ensinar os jogos infantis que jogava em Portugal quando era criança. Sempre que ele vem à cidade para nos visitar, trás sempre um novo jogo.
“Uncle, que jogo vais ensinar-me hoje?”
“The handkerchief game – o jogo do lencinho.”
“It sounds great, uncle.”
Estão mais crianças no parque. O meu tio convida-as, e de mãos dadas fazemos um círculo. O meu tio fica de fora com o lenço na mão correndo à nossa volta e dizendo:


O lencinho vai na minha mão, - The handkerchief is in my hand
Quando quer cai no chão, – When it wants, it falls
Ele aqui vai, ele aqui fica – Here it goes. Here it stays.
Em casa da tia Anica – At aunt Anica’s house.
Estamos todas muito atentas para ver onde o lenço vai cair.
“Oh my God…let it be me.”
O meu tio continua às voltas com o lencinho na mão. Ele ri, salta e canta. Tenho a certeza que vai deixar cair o lenço ao pé de mim.
“Vamos tio. Let the handkerchief fall.”
“Sejam pacientes, children.”

Preciso estar muito atenta. Se não observar com atenção e apanhar o lenço, vou de castigo prisioneira para dentro do círculo.
“I got it, tio. Apanhei o lenço.”
Durante horas corremos atrás do lenço. Muitas vezes fiquei prisioneira. Depois de tanta brincadeira, o sol torna-se de repente mais pequenino, e o meu estômago, começa a dar horas.
“Vamos embora, children. Time for dinner.”
Adoro o meu tio e os seus jogos do passado. Ao chegarmos a casa, um calor gostoso recebe-nos à porta. A mesa está linda, muito colorida com diferentes pratos, saladas, sobremesas, sumos, vinho e chá. Muitos aromas distintos invadem o meu nariz. Todos falam e riem. Os copos tilintam, enquanto o gramofone da minha grandma toca o seu fado favorito. O meu pai beija a minha mãe, que tem estrelas nos olhos. Grandma parece-me mais rosada e feliz. Tira agora o seu avental. Aproxima-se de mim a sorrir. Abre-me os seus braços e convida-me para entrar neles. Leva-me até à cozinha. E ali estão elas: perfumadas, fumegantes e doiradas. As minhas mállássádás.
“É por isso que te chamo Saudade. Porque you always make me remember what I can’t forget. Tu fazes granny ser fiel às suas raízes. E agora vamos jantar e depois comer as tuas mállássádás.”
“Vavó quero que me chames sempre Saudade.”
Fim