A comunidade precisa de se unir
De malas feitas para Copenhaga, o embaixador de Portugal em Otava dá uma entrevista exclusiva ao CRA. Fomos encontrar João Pedro da Silveira Carvalho em Toronto na companhia dos deputados portugueses na Organização para a Cooperação e Segurança Europeia e do presidente da Assembleia Parlamentar João Soares, aquando da última reunião da OSCE.
Para substituir Silveira Carvalho o governo escolheu Moutinho de Almeida, que desempenhava as funções de cônsul geral em Macau. Neste seu adeus aos portugueses no Canadá, Silveira de Carvalho faz um balanço do que foram as suas prioridades junto da comunidade e faz uma análise do estado da comunidade, que considera ainda aquém das suas capacidades, em parte porque os portugueses não trabalham em equipa. "Nós somos muito individualistas. Nós não somos educados para um trabalho de grupo e isso tem as suas consequências." Da sua permanência na província do Ontário, o Embaixador faz um balanço positivo e realça aquelas que foram algumas das suas prioridades.
João Pedro da Silveira Carvalho -"A minha primeira prioridade foi ajudar a comunidade a participar cívica e politicamente. Para isso e, passados 15 dias depois da minha chegada a Otava em 2003, reuni em Toronto com os diferentes membros da comunidade, que já tinham alguma experiência política, nomeadamente na Câmara Municipal e outros que já se tinham candidatado, mas que não tinham sido eleitos. Este encontro surgiu no sentido de encorajar a comunidade a uma maior participação. O balanço é bom. Espero ainda que nestas próximas eleições a comunidade portuguesa consiga ter mais eleitos de origem portuguesa. Porém, já conseguimos na realidade pela primeira vez ter um deputado ao nível federal. Temos actualmente dois a nível provincial aqui no Ontário. Neste sentido e em termos de participação política já algum passo foi dado durante esta minha permanência aqui.
Esta foi a minha primeira prioridade. A segunda foi a da criação de um "lobby" económico na comunidade. Foi meu intuíto reunir com a Federação dos Empresários, e a Academia do Bacalhau onde estão muitos empresários e profissionais portugueses. Vim encontrar-me com eles porque acho que a comunidade tem que influenciar as decisões a partir da criação de um "lobby" o que só vai ser possível quando para os canadianos for evidente que os portugueses representam alguma coisa de relevante economicamente neste país. Nesta ordem de ideias tentei reavivar a antiga Câmara do Comércio de Toronto, cuja patente está com a Federação. Infelizmente não consegui este objectivo".
HA – Portanto e de acordo com o seu ponto de vista, parte do insucesso de algumas iniciativas deve-se ao facto da comunidade não se ter apercebido da importância da criação deste tipo de grupo de pressão?
JPSC - "Mesmo a criação de uma representação política, que não tenha por trás de si algum apoio financeiro é muito difícil de se manter. A comunidade tem de entender que esta é a única forma da mesma vir a ter no Canadá uma maior exposição e reconhecimento. Os portugueses são reconhecidos como trabalhadores, honestos, mas nós temos que subir um degrau. E este degrau é o degrau da cidadania. Para isso necessitamos de mais pessoas eleitas; temos que ser visíveis para os canadianos, mostrando que temos algum poder económico. Temos que ter uma participação cívica activa, pois só assim a nossa comunidade pode mostrar aquilo a que tem direito, face ao número de pessoas que somos e ao nível de desenvolvimento que já atingimos."
HA - Os portugueses que emigraram nunca foram indivíduos de grande participação cívica e política. Acha que só a educação dos mais novos poderá contribuir para a mudança do "status quo"?
JPSC- "Toca aí num aspecto que também sempre foi minha preocupação. Em todas as oportunidades que tive sempre pedi aos pais que levassem os filhos o mais longe possível na educação. Porque só assim conseguiremos que as gerações mais novas tenham acesso ao poder decisório no Canadá. Nós não podemos adiar esta filosofia. Provavelmente já antes de mim este esforço deveria ter sido feito no sentido de apoiar a comunidade. O embaixador, os cônsules não têm que fazer uma política sua. Temos sim que apoiar a comunidade para que ela alcance os objectivos que ela definiu como os seus próprios. Eu tentei apoiar a comunidade nestes sectores, nomeadamente o da educação. Foi sempre um dos aspectos que eu referi nas minhas mensagens. Eu sei que é fácil aliciar os jovens a ganharem uns dólares, ajudando os pais. Acho esta atitude compreensível. E esta é a experiência portuguesa. Mas alertei as famílias para o facto de os filhos ao abandonarem os estudos muito cedo deixam de ter capacidade de alcançar postos de trabalho mais qualificados.
Língua portuguesa
HA- Um outro assunto que sempre preocupou o embaixador foi o da protecção e promoção da língua portuguesa
JPSC - A comunidade é que verdadeiramente tem mantido o português vivo. A verdade é essa, nomeadamente o associativismo a quem manifesto o meu agrado pelo trabalho desenvolvido na conservação da cultura e das tradições, mas também da língua, porque elas são o espaço onde se fala o português. Aqui no Canadá vim aperceber-me de um facto muito curioso: apesar de muitas vezes os pais falarem com os filhos em inglês, os jovens não se importam de comunicar com os avós em português. Esta é uma forma muito curiosa dos jovens manterem a língua.
HA - O ensino da língua portuguesa no sistema escolar oficial do Ontário persiste nomeadamente através dos programas de línguas internacionais. Acha que o governo português deveria apoiar estes programas provinciais?
JPSC- Para lhe ser totalmente sincero acho que Portugal deve apoiar qualquer programa que vise a preservação da língua no Canadá ou em qualquer país onde haja comunidades portuguesas. A nova política que o governo quer implementar ainda não é totalmente conhecida no que diz respeito ao ensino no estrangeiro. Como se recorda, vários governos anteriores a este anunciaram medidas de apoio para as associações que ensinassem português, para além de outras medidas, as quais nunca viram a luz do dia. Por consequência, e desconhecendo o conteúdo da nova política, não me quero pronunciar sobre como esta política se poderia articular com os conselhos executivos das escolas onde se ensina a língua portuguesa no Ontário.”
Comunidade dividida
HA - Apesar de já cá estarmos há cinquenta anos a verdade é que a nossa visibilidade pode ainda ser considerada diminuta. Qual a sua opinião?
JPSC – "A visibilidade da comunidade tem sofrido por causa da falta de união entre os portugueses da comunidade. Para lhe ser franco e do meu ponto de vista os portugueses no Canadá são como todos os portugueses em qualquer parte do mundo.
Nós somos muito individualistas. Nós não somos educados para um trabalho de grupo e isso tem as suas consequências. Cada um vai para seu lado e assim é difícil sermos uma equipa. Tentei aqui muito mudar esta mentalidade e sobretudo ao nível económico.
Eu posso dizer que vi imensos empresários e todos estiveram sempre disponíveis para falar comigo. O encontro em que eu reuni mais pessoas só consegui oito, num imenso universo de portugueses de sucesso e capazes. Mas estes pequenos problemas existentes entre uns e outros só prejudicam.
A questão educacional também não ajuda. Infelizmente, esta é uma herança também. Em Portugal nunca fomos educados para formarmos uma equipa e de percebermos que como equipa conseguimos obter resultados mais duradoiros do que ao nível individual. Somos muito individualistas e muito donos do nosso próprio sucesso. Não partilhamos com os outros."
HA - Acredita que esta forma de ser tem também impacto negativo nas gerações mais jovens?
JPSC - "É o sangue que nos corre nas veias."
HA - Fale-nos um pouco do seu futuro profissional?
JPSC - "Eu vou para embaixador de Portugal em Copenhaga. Vai ser um passo estimulante, apesar de ter sido uma actividade que já fiz na Irlanda.
Não terei uma comunidade portuguesa como aqui, pois o número de portugueses é muito restrito. Vou sobretudo acompanhar os dossiers da União Europeia, algo do qual tenho algum conhecimento porque fui Director-Geral para a União Europeia na anterior presidência portuguesa. Para me substituir vai ser transferido de Macau o cônsul Moutinho de Almeida."
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