Thursday, February 19, 2009

Cantou sim! Mas para portugueses




A cantora portuguesa Mariza parece ter uma missão na vida como artista: mostrar aos estrangeiros o Portugal de hoje. Um país de orgulho, de ricas tradições culturais e que em nada fica atrás dos outros. É este Portugal que a cantora se vê na “obrigação” de levar mais longe.
A artista também reco-nhece, que os portugueses talvez se venham a sentir um pouco magoados, com uma das suas verdades: «Eu não trabalho muito para as comunidades portuguesas».
E tal compreende-se, pois a artista não é só uma voz portuguesa acarinhada pelos portugueses a viver fora, moldados pela saudade. Mariza mostrou em Toronto ser sobretudo, um produto dos tempos em que vive moldados pela internacionalização da cultura e dos espaços que vai conhecendo, das vozes com as quais vai comungando melodias e de uma perspectiva nova, que passa por um Portugal a-berto, moderno.
Mariza é também o resultado da disciplina e da profissionalização fórmulas para vencer e para arrancar um lugar junto das me-lhores vozes da música internacional de hoje. Mariza é sem suspeita uma diva, que conhece os limites e os horizontes do "marketing", da imagem, da Internet e da globalização.
Foi para mim, como decerto para um Massey Hall cheio, uma noite para não esquecer.
Depois da entre-vista, o espectáculo. Um apreciar de diferentes fa-cetas da artista num palco maduro, onde foi possível reconhecer sons da grande comunidade de língua portuguesa, onde o fado foi mais além numa caminhda que se expande, levando consigo o sentir luso a outras paragens e bebendo delas outros horizontes e musicalidades.
Mas diga Mariza o que disser. Em Toronto, Mariza cantou para os portugueses, pois embora teimasse dirigir-se ao público em inglês, a língua era sem dúvida a portuguesa e o português, foi sem dúvida aquele público fiél que encheu o Masey Hall.

“A minha voz terá sempre fado”



Mariza esteve em Toronto, não para cantar para os portugueses - embora reconheça sejam uma presença carinhosa pelas cidades onde passa - mas para os locais. Assim tem sido nas suas tournées pelo estrangeiro. 
"Quero mostrar Portugal a outras culturas, mostrando que nós em nada somos pequenos, que Portugal tem muitos valores e muito para oferecer. Dar a conhecer este Portugal só se pode fazer mostrando-o ao público local». Depois do seu espectáculo em Toronto, a cantora portuguesa partiu para Chicago, para no dia seguinte regressar ao Canadá, para mais uma actuação em Montreal. O encontro da jornalista com a cantora deu-se no café de um hotel da baixa de Toronto. Visivelmente “perturbada” pelo frio, numa tarde em que começávamos, nós, a saborear uma brisa primaveril prematura, Mariza prosseguia a sua agenda de entrevistas. 
“A minha voz terá sempre fado porque eu cresci num bairro muito típico, o da Mouraria, onde toda a gente canta e, se não canta, tem uma forma de estar muito fadista”. Palavras da cantora, que assim se revela aos portugueses, nesta sua digressão à América do Norte, onde dá a conhecer o seu último trabalho discográfico “terra”.
“A minha alma terá sempre fado. Só que quanto mais viajo e muito mais conheço o mundo, mais a minha música se transforma”. 
“Quanto mais pessoas e culturas vejo, quanto mais músicos conheço e com quem trabalho, quanto mais tento entender o mundo à minha volta, mais sou influenciada como cantora, como pessoa e como mulher. Tal, acaba por aparecer na música que faço. Ela não fica estática, pois é uma música orgânica, uma música que tem movimento.”
Este um movimento que reflecte também as transformações por que Lisboa passa. “Ao mesmo tempo Lisboa é uma cidade que está em constante movimento, uma Lisboa que tem uma geração nova, enquanto ao mesmo tempo quer preservar a sua cultura e as suas tradições e mostrar que faz parte de um Portugal novo, de um mundo novo, de uma família nova. Neste processo mostra que em nada somos uma cultura menor. Em nada somos menores. Muito pelo contrário. Nós temos uma cultura muito rica, começando pelos nossos escritores, poetas pela nossa própria música e pelo fado que é um dos grandes representan-tes da nossa cultura.”
Um desabafo rico de quem não esquece também as suas raízes africanas. «Não tenho grande afinidade com a cultura africana…ainda. Espero poder mais tarde estudar melhor esta faceta. Mas acho que preciso crescer mais um bocadinho como pessoa, para começar a entender este meu outro lado, o lado das minhas raízes africanas. Afinal, saí de África com 3 anos. Toda a minha vida foi vivida em Lisboa, na Europa. Viajar significava ir para Espanha, França ou Alemanha. Pouco ou nada para o continente africano. Este é um processo de conhecimento que vai demorar um pouco para entender este lado das minhas raízes.» 
Quanto às comunidades a cantora é peremptória. «Olhe, tenho que ser muito sincera. Eu não trabalho muito para as comunidades portuguesas. Se calhar vão ficar um pouco zangados comigo, com certeza. Mas quando vou a uma cidade, como por exemplo a Toronto onde existe muitos portugueses, a comunidade aparece. O mesmo acontece quando vou a Franca, Suíça ou ao Luxemburgo. Mas normalmente eu trabalho para o público local. Obviamente, que adoro receber o público português, que é extremamente carinhoso, e educado que já tenta entender que o fado que canto tem uma personalidade muito própria, muito minha. Todavia, o que eu quero mesmo é mostrar Portugal a outras culturas, mostrando que nós em nada somos pequenos, que Portugal tem muitos valores e muito para dar. E isto só se pode fazer porque já conhecemos o que somos. Mostrar este Portugal só se pode fazer mostrando-o ao público local. E como trabalho normalmente com agentes locais, muitas vezes também não chega às comunidades que estou em determinados auditórios.» 
À derradeira e inevitável pergunta: «Considera-se uma fadista?»
A resposta seria categórica. Não! Sou uma cantora portuguesa!»

Amante da cultura e da língua portuguesas, Mariza vê com bons olhos um acordo, que unifica a língua portuguesa. «O acordo ortográfico teria que acontecer. A língua brasileira é neste momento muito mais forte que a nossa. Veja-se, por exemplo nos Grémios Latinos, onde já fui nomeada duas vezes. Se eu fosse brasileira talvez tivesse ganho. A música brasileira tem muito mais força, e é muito mais conhecida nestes mercados A música portuguesa não. Algumas coisas, que fazem parte do nosso português mais antigo, vamos perdê-las, com certeza. Mas por outro lado também vamos ganhar. 
Temos que olhar para as coisas sempre como um pau de dois bicos: um lado positivo e outro negativo. Também ganhamos muito porque pertencemos a uma língua que é falada por milhões de pessoas. E isto, para nós é extremamente importante. Este acordo dá uma dimensão à nossa língua, que vai ter impactos positivos, sem dúvida a nível económico e abrir portas à nossa cultura.»
O próximo passo?
«O concerto de amanhã.»

O último CD de Mariza «terra» contou com grandes nomes da música internacional, nomeadamente do cabo-verdiano Tito Paris, da afro-hispânica Concha Buka, do brasileiro Ivan Lins ao piano, assim como dos cubanos Chucho Valdês e Ivan Lewis, para além dos espanhóis Javier Limon na guitarra flamenga e Piraña percussionista. A tornar este um trabalho internacional há a registar a participação de Dominique Miller, guitarrista a trabalhar com o cantor inglês Sting, há duas décadas. De «Fado em Mim» editado em 2001, a « terra» vai um caminho de sete anos que sem dúvida traçam um caminho de maturação artística e abre uma porta para o delinear do futuro caminho da cantora. Ela própria o diz. «Em sete anos consecutivos de tournée internacional, além de levar a minha música, fui tendo contactos com culturas e estéticas diferentes. Fui ouvindo e entendendo. Fui assimilando até chegar aqui.» 
E se pretender apreciar esta nova etapa da cantora, nada melhor que ouvir «terra», caso de não ter tido a possibilidade de assistir a um espectáculo a não esquecer.

Humberta Araujo
Fotos: H.A.