Monday, January 28, 2008

O LUGAR DO CARANGUEJO

O Caranguejo recebia a tarde dourada que se estendia num alvoroço fora do comum. Havia um cheiro a descoberta e um ar de maresia próprios do lugar. Em Rabo de Peixe, o meio dia adivinhava-se já nas sombras que o casario desenhava. Descia uma vez mais à Cova da Moura. Uma visita quase sempre “desconcertante” pelas ruelas que se perdem no arrendado luxuriante de pés descalços, janelas abertas, mulheres e aventais, remos e escamas, ranhos e gargalhadas, como um palco desvendado pelo pano que se abre para mostrar o bater do coração de uma história. Ali estava o Caranguejo, como nunca o vira antes: colorido, barulhento, aromatizado, abarrotando de vida. Um arraial de tonalidades, de cheiros, gentes e cores.
O centro do bairro, delimitado em forma de quadrado, redesenhava-se com fios e canas ostentando a roupa lavada num emaranhado de feitios, cores e gostos. As vagas do vento entravam no ventre do Caranguejo transportando aqueles cheiros de musgo e lapa colada na pedra, enquanto chicoteavam de leve a roupa no estendal. Um acampamento em tempo de romaria abençoado pelo bailado de trapos e aromatizado pelos fumos que esvoaçam das panelas onde se cozinha ao ar livre os intestinos do bovino para a dobrada do jantar.
Aqui e ali cabelos flutuam fora dos lenços multicoloridos, enquanto as mulheres conversam nos cantos ou em pequenos grupos junto às suas panelas. Os filhos descalços e as filhas amadurecendo os corpos ostentam peles morenas e salgadas. Os mais pequenos sentados aos colos das avós na soleira da porta: um corisco e um excomungado…as pragas do lugar atiradas aos ventos que as vão vomitar nas fundas do rochedo da costa negra, tormentos do olhar de quem tem nas águas o sofrido gosto da alegria. Assim vi o Caranguejo naquela tarde bela de encantos. Sorvendo o cheiro do peixe seco nas fendas da rocha, embarcando nos aromas da dobrada cozida ao relento, dançando ao sabor do vento entre a roupa que as Américas já não vomitam, celebro a exclusividade do espaço, lamentando a contínua leveza dos seres que ali exaltam os méritos dos dias e das noites na pacatez dolente das marés ou no alvoroço dos mares tormentosos. Assim, dia após dia, multiplico a minha solenidade e perpetuo uma humanidade sem grandes promessas.

Que português vamos escrever?

Um pouco por toda a parte se fala do Acordo Ortográfico. Os portugueses espalhados pelas comunidades, de uma forma ou de outra, já ouviram falar nele. Talvez já saibam o que vai mudar na escrita da língua portuguesa. Talvez nem tanto. Nesta edição vamos fazer um pouco desta história e convidar alguns nomes importantes das artes, letras e ensino em Portugal, Estados Unidos e Canadá para nos darem uma imagem geral do que este acordo é, e o que significa

HUMBERTA ARAUJO

Relativamente às últimas sobre este acordo em Portugal, a aprovação do Protocolo Modificativo do Acordo foi adiado, ficando agendado agora para este ano – deveria ter sido no último Conselho de Ministros realizado no dia 27 de Dezembro, como anunciara o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado. O acordo geral foi alcançado em 1990 e deveria ter entrado em vigor em 1994 mas não foi porque só três países – Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Princípe – deram o sim ao acordo no geral e a dois protocolos modificativos que introduziram outras mudanças. O segundo destes protocolos, aprovado em 2004, ainda não contou com a ratificação de Portugal. É este que precisa ainda de ir a conselho de mi-nistros para validação e depois à Assembleia da República.
Este acordo geral não é o primeiro em Portugal e, dadas as muitas adaptacões necessárias, a ministra da Cultura já pediu 10 anos para a sua entrada em vigor. A nossa língua já passou por acordos em 1911, 1931 e ajustes de 1973. Reformas ortográficas não têm faltado na língua portuguesa. A última ocorreu nos anos 70 do século passado, quando no Brasil, em Portugal e nos territórios portugueses quase se acabou com o acento grave, e no Brasil com o acento diferencial.
Este é o primeiro acordo do século XXI e foi alcançado em 1991 entre os sete países de língua oficial portuguesa para ditar novas regras de como escrever palavras. Este acordo não muda a pronúncia de qualquer palavra. Isso é verdade para qualquer reforma ortográfica e não cria nem “destroi” palavras. A língua portuguesa é falada em mais de um país e de um continente. Por isso tem diferenças. Algumas destas variantes ainda não se encontram totalmente formadas, como acontece em Moçambique. As variedades do português, apresentam regras próprias que, nalguns casos, poderão estabelecer regras diferentes ou mesmo contrárias. E, segundo os especialistas, este acordo “não interfere com a coexistência ou com as regras de normas linguísticas regionais”. Actualmente, a língua portuguesa tem duas normas ortográficas: a usada no Brasil e a dos restantes países de língua portuguesa. Da aplicação das duas normas resultam muitas diferenças na forma de escrever. Reformas introduzidas no Brasil por uma lei de 1971 reduziram bastante as diferenças, mas persistem importantes divergências. Com este acordo pretende-se escrever as palavras nos países de língua portuguesa com uma única norma.

Mudanças em Portugal, países africanos de língua oficial portuguesa e Timor

“Eliminação de cês e pês não pronunciados em palavras como director, acção, protecção, baptismo, adoptar e excepção, as quais passam a escrever-se diretor, ação, proteção, batismo, adotar e exceção.
Principais alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico no Brasil
“Desaparece o trema. Em Portugal escreve-se aguentar no Brasil agüentar. O trema é colocado sobre o "u" para indicar que esta letra é pronunciada. Em Portugal o trema não se usa desde 1945.
O ditongo ei em palavras graves nunca é acentuado graficamente. Deixa-se de usar acento em palavras como assembléia e idéia, que actualmente não levam acento em Portugal”.
Alterações para todos os países de língua portuguesa
“É simplificado e reduzido o emprego do hífen. O ditongo oi em palavras graves ou paroxítonas não leva acento. Escreveremos boia e heroico em vez de bóia e heróico”.

Línguas mudam ortografia
Não tem sido só o português a mudar a ortografia: o espanhol (em 1815 para todos os países de língua espanhola); O alemão; o holandês por volta de 1900 sofreu uma alteração radical; a forma de escrever o russo também mudou depois da revolução comunista. Após de 1949 as autoridades chinesas impuseram a simplificação de caracteres e no Japão depois da II Guerra Mundial o governo mandou que se eliminasse milhares de caracteres ideográficos, depois substituídos por caracteres fonéticos. A ortografia do inglês quase não foi alterada. Por isso é que a sua escrita tem muito pouco a ver com a pronúncia. Reformar seria muito difícil pois agora precisam de dois alfabetos: um para escrever as palavras e outro para saber a sua pronúncia. No nosso país, o fim de consoantes mudas e outras modificações radicais como o fim dos agás iniciais já poderiam ser hoje uma a realidade se tivesse ido para a frente um reforma proposta em 1878. Sobre tal deixamos como curiosidade uma passagem da Academia Real das Ciências de 26 de Dezembro de 1878 assinada no Porto por "Adriano de Abreu Cardoso Machado, Prezidente; Conde de Samodães; Manuel Felippe Coelho; Agostinho da Silva Vieira e Jozé Barbóza Leão.
“O parecer de que ésta reprezentação vai acompanhada, contem um sistema de ortografia e um método de o pôr em prática, os quais avaliareis como merecêrem. Os abaixo assinados apenas esprímem o dezejo e a esperança de que julgueis dever adòtal-os.”
Portugal prepara-se agora para exigir das editoras reedições de obras literárias para albergar as alterações do acordo e o Ministério da Educação do Brasil prepara a próxima licitação dos livros didáticos, pedindo a nova ortografia. "Esse edital para os livros que serão usados em 2009, deve ser fechado com as novas regras", afirmou a propósito o assessor especial do Ministério da Educação, Carlos Alberto Xavier.

Movimento contra o acordo em Portugal
Em 1986 um movimento de intelectuais contra o acordo surgiu em Portugal, encabeçado pelo escritor Vasco Graça Moura. Também o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares (MST) foi outro nome crítico deste acordo tendo afirmado no Expresso que “há mais de 10 anos que vivemos com esta espada suspensa sobre a cabeça; quando não têm mais nada com que se entreter para exibir a sua importância, os senhores da Academia das Ciências e os ministros dos Estrangeiros gostam de nos ameaçar com o acordo ortográfico, cujo objectivo único é por-nos a escrever como os brasileiros assim lhes facilitando a sua penetração e influência nos países de expressão portuguesa. Como disse Vasco Graça Moura, o acordo é um ‘diktat’ neo-colonial em que o mais forte (Brasil) determina a sua vontade ao mais fraco (Portugal)”. De salientar que MST recusou modificar a grafia de um dos seus livros editados no Brasil. “Perdoe-me a imodéstia, mas orgulho-me de ter feito bem mais pela nossa língua no Brasil o que todos esses que se dispõem a vendê-la como coisa velha e descartável” escreveu ainda MST. Vasco Graça Moura, a propósito do acordo, questionou já a ministra da Educação sobre as razões que a levou “a aceitar um conjunto de enormidades deste tipo e a desatender as muitas objecções que, sem dúvida, lhe chegaram da parte de inúmeros professores? (…) Não se vê que a avaliação dos professores, face ao novo estatuto, se vai tornar absolutamente impraticável nesta matéria? Nem que o ensino se vai degradar ainda mais? Será isto uma política da Educação? Será assim que a cooperação com os outros países de língua portuguesa vai ser mais eficaz, no tocante ao ensino e promoção da língua comum?”

Daniel de Sá
escritor - Açores


“Não gosto de acordos destes. A Língua nunca foi uma questão de acordo, acontecia naturalmente. As pessoas cultas criavam palavras novas do Latim ou do Grego, os marinheiros traziam-nas com o "ananás" ou com o "chá" de tupis-guaranis ou de chineses, dava-lhe o povo um jeito aqui outro acolá, fixavam-lhe as mudanças os gramáticos, ratificavam-nas os escritores. Veio a República e entendeu que podia mandar em tudo, até nela, na Língua. Isso foi em 1911, mas ficou o costume. (…) Estamos, sem dúvida a perder um pouco da nossa nacionalidade, história e individualidade. Os países que mantiveram a nossa Língua são uma amálgama preciosa de culturas, têm o seu percurso, o "sotaque" da escrita é mais facilmente compreensível do que o da fala oral. (…)
Relativamente ao ensino da nossa língua na diáspora devemos primeiro, talvez, saber a quem iremos ensinar. Nenhuma norma fará do Português de Portugal o padrão imutável. (…)
Quanto à adaptacão da produção literária com custos adicionais para as editoras isso é o disparate. Quem é da minha idade leu desde criança as histórias em quadradinhos que vinham do Brasil, ou até mesmo a revista "Cruzeiro". E nem por isso deixámos de aprender correctamente a nossa Língua. (…) Quanto à liberdade que resta ao criador em decidir manter o "seu velho" português, digo que Fernando Pessoa manteve quanta e enquanto quis, e não deixou de ser o maior poeta português do século XX. Pessoalmente acho uma incongruência a "obrigatoriedade de mudar" logo que o acordo se torne lei. Uma arbitrariedade de um governo cujo chefe é capaz de dizer uma aberração destas:"eu sou daqueles que acredito"... Pois eu não sou daqueles que acreditam que a democracia da Língua seja isto."

Onésimo Teotónio de Almeida
professor/escritor - EUA


"Acho que sim que se justifica este acordo. Não há razão para haver duas grafias da língua. Existem duas grafias em inglês, a inglesa e a americana, mas as diferenças são mínimas. Não têm os problemas de acentos. Há muito que era preciso aproximarmos mais as grafias das duas versões do português. O Brasil não se deve importar. Quem se deve importar é Portugal. A verdade é que nunca estamos preparados para nada. Portugal não estava preparado para a democracia e hoje tem-na. (…) Não estamos a perder nacionalidade, história e individualidade. Daqui a uns anos ninguém mais de se lembrará de como em 2007 se escrevia certas palavras. Alguém sente que perdeu a identidade portuguesa porque já não escrevemos "pharmácia" ou 'prompto" ou Ignácio? Sobre o ensino nas comunidades a nova ortografia aprende-se num instante. No passado já houve alterações ortográficas. Quem tiver dúvidas tente ler "Os Lusíadas" no original. (…) Quem quiser teimar a escrever à antiga, que o faça. É como a missa em latim. Assassinar a herança literária com as modificações? Se isso fosse verdade então muitos assassinatos foram cometidos ao longo da história com as sucessivas alterações da ortografia desde as cantigas de amigo. Quanto à liberdade deixada ao criador acho que mais importante do que acertar as agulhas numa palavra ou noutra agora alterada seria importante as pessoas deixarem de cometer erros. Os criadores portugueses não deixarão de ser menos criadores por se lhe alterarem uma dúzia e meia de regras ortográficas. Pessoalmente não vejo por que razão não haveria de adaptar as mudanças. Primeiro porque é uma lei. Segundo porque não vejo razão para me tornar objector de consciência por causa disso. Terceiro porque acho que a grafia da língua não constitui de modo nenhum um elemento fundamental da identidade seja de quem for.(…)"

Eduardo Bettencourt Pinto
poeta-Canadá


“Não sei até que ponto os países lusófonos estão preparados para um acordo destes. A questão arrasta-se há anos e até agora, creio, não se tem visto qualquer resultado. Cada país tem as suas particularidades linguísticas, e há sempre a tendência de os mesmos seguirem os seus padrões culturais. Cabe aos responsáveis das Pastas da Educação dos países membros de seguirem as normas acordadas e impô-las nos seus circuitos educativos. Quanto à possibilidade desta acordo afectar a produção literária acho que ele exigirá certamente um período de adaptação por parte de todos aqueles que usam a língua como veículo comunicativo e de arte. Como poeta a viver no Canadá a necessidade de adaptação pessoal e a posição do governo de exigir das editoras revisão de obras já editadas, não sei até que ponto será financeiramente exequível uma revisão dessas. As editoras portuguesas, por exemplo, atravessam neste momento uma crise grave. Embarcar num projecto de revisão de livros já publicados não só me parece excessivo e desnecessário, como também inviável economicamente. O mercado de livros, como se sabe, é pobre. Lê-se muito pouco.
A nível pessoal farei todos os possíveis para estar actualizado, desde que haja uma norma estabelecida e seguida oficialmente."


Luiz António de Assis Brasil
escritor - Brasil


"Este acordo justifica-se, e muito. É o momento de unificarmos a grafia da língua portuguesa. Chega de passar vergonha na ONU, quando perguntam a nossos diplomatas, ironicamente, qual o português que está valendo. Vamos pensar modernamente, como fez a Espanha: a grafia da língua espanhola é uma só, no mundo todo. Os sotaque sim, esses variam, e são ricos e instigantes. Neste momento estamos preparadíssimos para olhar as modificações ortográficas; ademais, o acordo alterará apenas 0,48% de nossas palavras. Em Portugal, terão de alterar 1,56%. Outra coisa: a grafia das palavras, um acento aqui, outro acolá, isso nada tem a ver com a identidade cultural de um povo. Quanto à possibilidade de perdermos parte da nossa nacionalidade, história e individualidade, nem um pouco: não perderemos rigorosamente nada. (…) Quanto à edição e adaptacão de obras, as editoras, muito ao contrário do que pensam, aumentarão seus lucros, pois um livro impresso aqui poderá circular plenamente em Portugal, e vice-versa. Para publicar seus livros, não mudará nada. Ao criador resta-lhe toda liberdade. Criar algo, do ponto de vista literário, tem a ver com a inovação e ousadia das idéias, e não com a grafia das palavras com que essas idéias ousadas e inovadoras são transmitidas. Pessoalmente encaro este acordo oportuno, decente, recomendável. Sou um dos maiores entusiastas brasileiros do acordo, acolhendo-o como uma expressão de inteligência. (…)"

António M. Machado Pires
ex-reitor UA - especialista estudos nemesianos


"Um acordo ortográfico só se justifica se tiver condições para ser posto em prática. Seria benéfico para uma acção unificada da Língua Portuguesa no mundo, pelo número de falantes e pelo mercado de livros. Mas as diferenças culturais e identitárias entre Portugal e o Brasil, principalmente, o peso da “tradição” escrita e a indiferença do cidadão comum apontam para mais um esforço vão. Uma língua é uma realidade viva que não se controla por convenções impostas, sobretudo quando se apontam modificações e alterações como as que estão em causa. Não estamos preparados para pensar em “marcas culturais”, pois hoje a cultura é um conceito muito vago! (…)A língua faz parte do património multi-secular. A melhor forma de defendê-la é ensiná-la bem, escrever (e ler autores portugueses). Quando falo no ensino, refiro-me não só do português em Portugal como no estrangeiro (leitorados). A questão da língua deve ser vista como um todo. Cada vez que descuidamos o ensino da Língua e da História de Portugal estamos a perder identidade. E ninguém nos vai valorizar e defender se não formos nós próprios. (…) A atenção dada ao ensino do Português nas zonas que se costumam designar por diáspora deve ser grande. É uma reserva do Português que garante a continuidade da Cultura Portuguesa no mundo. Merece a maior atenção dos políticos e da política portuguesa. Quem semeia a língua semeia a “alma”; quem fala uma determinada língua impõe o mundo que lhe está por detrás. (…) Na era pós-acordo (se chegar) ter-se-á de publicar (e ensinar!) conforme o acordo. Mas as edições anteriores valem o que valem. As alterações são respeitantes a normas mínimas de ortografia comum. A expressividade de cada “feição” do Português mantém-se. O que nos parece é que as diferenças “de fundo” entre o Português de Portugal e o Português do Brasil são tais que não é possível, no mundo global de hoje, impor normas. De resto acordos ortográficos já não estão na moda. As tentativas anteriores (Portugal / Brasil) são história. Hoje a realidade é escrever-se como cada comunidade praticar a escrita. A maioria dos Portugueses (sobretudo os mais velhos!) vai continuar a escrever como escrevia e o Brasil ainda o fará com mais indiferença. Poderá haver (em Portugal) uma prática nos documentos oficiais e outra na pena dos cidadãos comuns. O que será desastroso e ridículo. (…) As pessoas vão escrever como escreviam; Passa a haver dois usos do Português, o que será ridículo e prejudicial (…) Porque não aceitar que há duas práticas de Língua Portuguesa no mundo (se pensarmos mormente nos dois universos em confronto, Portugal e Brasil) e continuar a fortalecer o ensino do Português (tradicional) de Portugal, a ver no que dá? São, afinal, universos culturais afins, mas diversos, que a língua traduz. Não é um documento normativo importante que subjuga uma prática viva comum. É tarde. E talvez seja melhor assim. (…)"

Lélia Nunes - investigadora
Santa Catarina – Brasil


"Assinado em 1990, engavetado por 17 anos está de volta a discussão sobre o acordo ortográfico. (...) Aliás, o próprio Ministério da Educação do Brasil chegou a anunciar que em 2008 o propalado acordo passa a vigorar. Ainda bem que não passou de mais um anúncio e que não vai a lugar nenhum. (…) Não é inovador e muito menos unifica escrita de fato. Mexe em acentuação ortográfica como o acento diferencial e o trema, elimina consoante como se afeto ou afecto fosse diferente nas duas margens só porque um escreve com c e outro sem c. Se a justificativa da sua necessidade é o nosso maior entendimento mútuo, então encaro com muito ceticismo a realização de um acordo ortográfico nestes termos por ser muito mais político do que uma real mudança da representação simbólica do que falamos – a dinamicidade da linguagem. Estarmos preparados é diferente de aceitar ou concordar com o que se pretende como Reforma Ortográfica. A preparação passa por um grande dispêndio econômico e desgate político interno. Não podemos esquecer que é algo imposto, vem de cima pra baixo. (…) Antes de tudo vai depender muito de vontade política, de competência para bancar o acordo e capacidade orçamentária para realizá-lo. (…) Isto são apenas convenções e com elas não perdemos identidade cultural. (…) O português falado e escrito no Brasil continuará com sua musicalidade brejeira, com a doçura que lhe é peculiar. (…) A língua é nosso patrimônio cultural. A nossa identidade está na alegria contagiante, sensual, cheia de volteios vibrantes, carinhosos que colorem, amorenam e dão graça à escrita brasileira com ou sem os "Cês. Por outro lado, a escrita cheia de letras mudas – afecto, facto, contacto – não impediu o português de Fernando Pessoa de ser amado ou José Saramago de ser best-seller no Brasil.
No Brasil, a discussão ainda vai pelos labirintos acadêmicos. (…) No que diz respeito ao trabalho das editoras, a curto prazo vão perder com a implantação das normas do acordo pois terão que adequar à nova grafia desde os simples catálogos à seu banco de dados. Mas, as editoras brasileiras, num futuro próximo, vão lucrar e muito. Pois, o livro aqui produzido poderá ser circular em Portugal e da mesma forma os livros portugueses. (…) Acredito que uma herança literária jamais será “assassinada” devido a uma alteração ortográfica. Ela é e será sempre o patrimônio cultural de um povo e, o criador tem sempre liberdade: o seu livre pensar e criar. (…)Todavia, encaro este acordo com ceticismo. Reafirmo: não se trata de uma verdadeira reforma ortográfica na acepção da palavra. Esta já nasceu com falhas de percurso histórico e político. O acordo foi ratificado por apenas três países membros da CPLP, entre estes o Brasil, em 2004, E Portugal não era um deles. Como pode se falar em acordo sem Portugal? (...) É esperar pra ver, enquanto isso vamos alçando vôos por mares de afectos."

Urbano Bettencourt
docente UA - escritor


"Se pensarmos em termos multi-laterais, é claro que não precisamos de qualquer acordo para nos entendermos uns aos outros. Passei a adolescência a ler escritores brasileiros sem qualquer adaptação ortográfica e não foi por isso que deixei de entendê-los e de amá-los, nem isso afectou a minha escrita europeia.
Em termos internos, a supressão de consoantes mudas simplifica a ortografia e a aprendizagem? Eles dizem que sim, embora quem, como eu, contacta diariamente com a expressão escrita verifica que os maiores problemas até não passam por aí, pela falta de um “c” que se ausentou para parte incerta.
A ortografia é apenas a (possível) representação do que falamos, mais próxima da etimologia, mais próxima da fonética, conforme o critério adoptado, o que quer dizer que há aqui uma forte componente de convencionalismo. Sem isto, sem o trabalho de sistematização ou normalização, ainda estaríamos hoje a ver o 'çapateiro de Gil Vicente que vay à barca do parayso pedir ao barqueyro que o leve nella'.
Perdeu-se alguma coisa da nossa individualidade com a passagem ao que temos hoje? Creio que não. Com o acordo ortográfico eu continuarei a cantar “adoremos com afetos de alma o Espírito Santo Divino” com a mesma emoção com que hoje o faço no terço cantado ao Espírito Santo. Bem sei que vou tropeçar em coisas esquisitas como “creem” e vou ter de crer que aquilo é mesmo o verbo “crer” no presente do indicativo, 3.ª pessoa do plural (coisa idêntica para “descreem, preveem, e por aí adiante). A questão do ensino na diáspora já suscita questões de outra natureza. Terá o governo dinheiro e sobretudo vontade política e capacidade para apoiar a nova situação resultante do acordo? Aqui, vocês estarão mais aptos a responder, pela experiência do passado e do presente. Mas neste domínio do ensino do português no estrangeiro (e no país), o verdadeiro monstro é uma coisa que se encontra em cozedura nos gabinetes do Ministério e que se chama TLEBS, ou seja, a nova terminologia línguística para o ensino básico e secundário.
Parece que devido à nossa proverbial lentidão e inépcia, vamos ter dez anos para nos adaptarmos à nova grafia, segundo terá dito a senhora Ministra da Cultura de Portugal continental. Não sei se nessa altura ainda andarei por cá. Entretanto, hei-de (ou hei de ) ir escrevendo sem preocupações de maior.(...)"

Graça Castanho, ph.d
ex- cons. ensino português nos EUA/Bermuda


"Um acordo que vise a uniformização de critérios linguísticos a usar pelos falantes dos países de língua portuguesa é uma medida urgente e necessária. (…) O acordo justifica-se porquanto é necessário chegar a um entendimento alargado e consensual entre as partes interessadas sobre as regras básicas comuns de escrita. Este passo, para além de corresponsabilizar todos os envolvidos nesta questão, constituirá um travão à caminhada individual que cada país tem traçado para a língua portuguesa no seu espaço geográfico. Neste momento, temos o Brasil a reclamar uma língua própria, Moçambique e Angola também já questionam se a língua que usam é Português Continental ou se não será outro idioma. Do conjunto de países de língua portuguesa, Portugal é, sem dúvida, aquele que terá mais dificuldade em aceitar o acordo ortográfico. Há muita resistência à mudança e à consequente perda de prestígio e controle sobre os destinos da língua. (…) A nossa insignificância numérica (somos 10 milhões de habitantes em Portugal) obriga-nos a ser um parceiro entre os demais, cabendo, sem sombra de dúvida, ao Brasil (país com perto de 200 milhões de falantes do Português) o papel decisivo quanto ao futuro da língua portuguesa no mundo.
Quanto à marca cultural que nos vem da língua, tal asserção não passa de uma falácia. As línguas sempre se alteraram ao longo dos tempos. (…) O Português moderno nasce só no século XVI. Daqui até aos nossos dias as mudanças têm sido abissais e prometem continuar a bom ritmo na língua portuguesa e em todas as línguas do planeta. Acho que não há motivos para alarmismos desnecessários. (…) A língua é um aspecto cultural entre muitas outras dimensões que nos caracterizam como povo. (…) O que importa saber é se essas mudanças nos enriquecem, se aproximam cada vez mais os diferentes povos e raças, e se reforçam valores e princípios morais que dignificam a existência humana. A partir do momento em que o acordo entrar em vigor deve haver um esforço por parte de todos nós para corresponder às regras que vierem a ser acordadas. (…) A herança literária tem mais a ver com as ideias, conceitos e crenças do que propriamente com o registo. (…) A língua portuguesa não é, desde o século XVI, a língua de Portugal. É sim a língua dos falantes do Português quer eles estejam na América, na Europa, na África ou na Ásia. O facto de nos encontrarmos neste momento a discutir formas de uniformização linguística deve ser motivo de grande orgulho para nós portugueses. Isso só pode acontecer com as grandes línguas, com as línguas de expansão mundial. As línguas com poucos falantes não têm nada para negociar. Correm inclusivamente o risco de desaparecer. O português não está em crise. Antes pelo contrário, está em crescimento nos quatro cantos do mundo. Por isso é que necessita de um acordo (…)".

Sata baixa tarifas inter-ilhas



Porto de Vila do Porto sob a intempérie 1991


SATA
Tarifas mais baixas nas ilhas

A SATA-Air Açores vai passar a oferecer tarifas promocionais inter-ilhas durante nove meses por ano anunciou recentemente o secretário regional da Economia.
Segundo Duarte Ponte, o Governo dos Açores, em concertação com a transportadora aérea regional, espera poder publicar, ainda em Fevereiro ou então em Março, um tarifário promocional, naturalmente com restrições, a vigorar no período de 1 de Setembro a 31 de Maio.
O governante avançou com estas explicações no debate, no parlamento açoriano, de uma proposta de Resolução, da iniciativa do CDS/PP, recomendando ao Governo que promova o estabelecimento de tarifas promocionais nos voos da SATA-Air Açores. Para o secretário regional da Economia, a proposta do CDS/PP é realista, daí que mereça a concordância do Executivo, ao contrário dos números avançados pela bancada social-democrata. Defender a descida das tarifas internas em 20 por cento, como faz o PSD, constitui uma proposta “irreflectida e demagógica”, considerou.

Ensinos católico e publico
Apoiam financeiramente “On Your Mark”

A importância do programa e do trabalho dos voluntários que fazem do programa de explicações para estudantes portugueses com dificuldades escolares “On Your Mark” foram já reconhecidos pelos conselhos executivos do ensino católico e publico. Este reconhecimento veio na forma de ajuda financeira da ordem dos 60 mil dólares por cada conselho executivo. "On Your Mark" é mais uma das iniciativas da "Working Women", organismo que conta com vários protocolos de cooperação com os Açores.



Voluntariado "On Your MArk"

O voluntariado e a inovação têm sido o combustível que tem feito rodar com sucesso “On Your Mark”, um programa de apoio a jovens luso-descendentes com problemas escolares. O sucesso é tal que os conselhos executivos do ensino público e católico decidiram apoiar financeiramente com 60 mil dólares cada, o programa. A funcionar na sua maioria com jovens estudantes universitários, que apoiam os seus compatriotas voluntariamente, o “On Your MArk” tem permitido, que muitos estudantes com problemas na escola, consigam prosseguir os seus estudos com sucesso. O sucesso do voluntariado, que está na base de muitos outros programas do “Working Women Community Centre”, foi no passado dia 22 reconhecido pelas responsáveis do centro.
Actualmente trabalham voluntariamente para o “Working Women”mais de quatrocentas pessoas, na sua maioria mulheres, de varias nacionalidades, que dão o seu tempo voluntariamente para ajudar aqueles com dificuldades. Os serviços que vão desde a tradução, explicações, apoio a adultos, grupos de inter-ajuda, emprego, formação profissional, saúde entre outros, dependem muito da boa vontade das voluntárias e no espírito de inovação do centro para responder aos desafios e equipar os indivíduos com as ferramentas para o sucesso. Esta iniciativa de reconhecimento do voluntariado foi também um momento para troca de impressões entre os presentes.
O Working Women Community Centre foi criado em Junho de 1976 com o objective de apoiar as mulheres recentemente chegadas ao país através do aconselhamento nas áreas do pré - emprego e consolidação do mesmo. Os grupos étnicos para os quais o centro foi no seu início criado centraram-se em volta das mulheres portuguesas, latino-americanas, das Caraíbas e Africa.

DIVINO
III Congresso Internacional das Festas do Divino

Grandes convidadas são as Comunidades


Espírito Santo em Oakville

A tradição do Divino Espírito Santo nas comunidades é uma das marcas indeléveis da identidade açoriana na diáspora. Por toda a parte onde vivem açorianos, o culto ao divino é uma realidade que passa de geração em geração. Do Brasil às Bermudas, Estados Unidos e Canadá o Espirito Santo é uma presença forte da cultura açoriana e marca já o calendário religioso e profano das comunidades. Uma tradição que se abre também aos estrangeiros que se foram acostumando a ruas fechadas e a sopas distribuídas a todos. A celebração do divino tem sido durante os tempos e muito particularmente nas últimas décadas, tema de muitos estudos académicos. A importância do simbolismo e as transformações e adaptações do divino é tal que a região autónoma vai pela terceira vez organizar mais um Congresso Internacional sobre as Festas do Divino, que este ano irá decorrer, entre 15 e 19 de Maio em Angra do Heroísmo.



Esta é uma iniciativa da Direcção Regional das Comunidades (DRC) e da presidência do governo regional que surge na sequência das duas primeiras edições, realizadas nos estados brasileiros de Santa Catarina e Porto Alegre. Esta III edição pretende assim “dar continuidade aos temas então desenvolvidos, tratando aspectos que desvendem as evoluções que conduziram às actuais manifestações em louvor do Espírito Santo”. Os interessados em participar neste evento podem obter mais informações e ficha de inscrição através do http://www.azores.gov.pt/Portal/pt/entidades/pgra-drcomunidades/. As inscrições encontram-se abertas até ao dia 31 de Março.

Friday, January 25, 2008

O Pico no Feminino


Breves e serenas têm sido as minhas passagens pela ilha do Pico. Uma ilha que desde sempre se projectou no universo açoriano como uma ilha de homens.
Pico, a ilha do baleeiro: tecto e chão firme do homem destemido, que se aventurou pelas artesanais técnicas da caça ao majestoso cetáceo, encontrando no coração e na pena da maioria dos criadores de literatura e memória da ilha, um espaço privilegiado. O Pico (...), sacudindo-se de quando em vez dos abraços voluptuosos das etéreas nuvens, ou das carícias salgadas das ondas quando estas se insinuam em lânguidos sussurros pelas entranhas das barrocas do mar; o Pico do homem da terra que conquistou as andainas (estas faixas de terra entre a montanha e o mar) para as impregnar de batata, milho, trigo…; a ilha do homem que conquistou os mistérios – terrenos outrora de cultivo cobertos de lava durante as grandes erupções do vulcão do século XVIII;
O homem da vinha explorando espaços férteis por entre a pedra, penosamente transportada para formar os maroiços, testemunhos impressionantes - à beira do desaparecimento para perda da riqueza cultural e histórica da ilha - das dificuldades do homem em romper terreno fecundo.
Esta ilha é celebrada na sua imponência masculina, numa “injusta’ omissão da mulher picoense. Basta um olhar atento, meio dedo de conversa nas canadas da memória entre um figo maduro, uma aguardente da ilha, o bolo e um caldo de peixe para perceber que desde a azáfama da baleação, ao pastoreio, ao transporte da pedra para o maroiço e da lenha para o forno, à plantação das figueiras e da vinha, passando pela recolha do fruto para a aguardente, a atenção ao foguete anunciando a baleia e correr pela ilha fora, deixando os filhos sós e protegidos pelo silvado, para alertar o companheiro na encosta pescando; o carregar de canecas de água à cabeça e percorrer quilómetros para transportar comida e leite dos locais onde os homens cuidavam dos animais; tratar a terra para o plantio dos cereais, as infinitas tarefas domésticas, passando pelo culto religioso, a mulher picoense moldou o Pico como nenhum homem o fez. Nomes de mulheres na literatura e estudos históricos ou sociais são poucos. Um destes nomes que recentemente me chegou às mãos, foi o de Francisca Catarina, que viveu em S. João de 1846 a 1940. A leitura deste trabalho de Maria Norberta Amorim e Alberto Correia transportou-me para aqueles dias de Verão passados a entrevistar mulheres picoenses ex-emigrantes, que haviam regressado à ilha. Com elas descobri os encantos femininos do Pico, a labuta para conquistar terreno à lava que borda a negro os quintais da ilha. Há que fazer justiça à mulher picoense, através da recuperação da sua memória, dos estudos sociológicos e históricos. Vejo Francisca Catarina numa quente tarde de Outono, com o avental a transbordar de figos frescos, sentada junto à sua Casinha das Cavacas – território de montanha, que segundo estes autores, conquistara um espaço especial no coração de Catarina. Sem dúvida, o Pico tem muito de feminino.

"Três foi a conta que Deus fez"


“Três foi a conta que Deus fez”. Assim dizia a minha avó. Assim o ouvi pela vida fora. Todavia, esta minha relação entre os números e o sagrado não se ficou por aqui e em épocas diferentes da vida fui confrontada com outros números, entre eles o zero, o seis e o sete. Os seres humanos sempre buscaram um sentido simbólico para os números. Se mergulharmos no fascinante universo da numerologia, descobrimos que para muitos filósofos gregos, entre eles os mais conhecidos Platão e, sobretudo, Pitágoras, a ciência dos números, era uma ferramenta crucial para o conhecimento da época e tinha o poder de mostrar a harmonia do universo. Pitágoras, por exemplo dizia que a realidade era pura matemática e que cada número tinha as suas características muito únicas. Pelo mundo fora, povos diversos expressam este fascínio humano pelo significado misterioso dos números. No caso dos deuses aztecas, cada um possuía o seu número e a sua cor, símbolos que tinham um relacionamento directo com a sua posição no cosmos. Mas voltando à minha avó, que teimava dizer que "três foi a conta que Deus fez”, resolvi mergulhar nesta coisa dos números e descobrir (ou pelo menos tentar), o significado desta premissa cuja validade a minha avó repetia e admitia sem demonstração prática. Porque teria Deus escolhido um número ímpar? Talvez numa comemoração discreta do caos. Se tudo gira em dualidade: entre o bem e o mal, o belo e o feio. Dentro e fora, quente e frio, homem e mulher, a noite e o dia, porquê trazer mais alguém para semear a confusão? Ora nesta aventura através dos números passo primeiro pelo zero, pois significando nada na sua essência, tem um poder enorme ao nível do infinito. Para imaginar a grandeza do infinito costumava, em criança, juntar zeros a um só número e assim perder-me na circunstância do infinito, na imensidão que representa o vazio, ao mesmo tempo absoluto, o nada a não existência. O zero permite um mergulho ilimitado no nada, que apesar disso, não deixa de possuir a capacidade do ilimitado. Experimente juntar zeros ao seu cheque e vai ver que as possibilidades são ilimitadas. O zero na sua expressão física representa também o ovo, o princípio de todas as coisas. Depois veio o 7: os sete dias da semana, No Novo Testamento, Jesus convida Pedro a perdoar seu irmão 70 vezes 7, a missa do sétimo dia. Mas não é só entre cristãos que o sete é considerado um número especial. Existem os sete ramos da árvore cósmica dos xamãs. O sete para os egípcios era o número da perfeição. Para os gregos, ele está relacionado aos cultos do deus Apolo e assim sucessivamente. Mas para mim era necessário saber mais sobre este três. Na tradição cristã associa-se o três com a trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. A família, por exemplo, é pai, mãe e filho – não sei como fica quando falta uma filha… Mas descobri também que o 3 leva assim de vencida, a dualidade do 2, representa o princípio, meio e o fim; o nascimento, vida e morte; céu, terra e as águas. Para muitos o ser astral ou emocional continua ligado ao corpo durante três dias após a morte e, segundo evidência científica, enquanto todos os sistemas do corpo humano morrem, o cérebro leva 3 dias para se “desligar” completamente. Para os chineses este é o número perfeito pois reúne o homem, a terra e o céu. E os gregos vêem a Deusa como uma entidade relacionada com a vegetação sob seus três aspectos: jovem, mãe e idosa.
Com toda esta carga simbólica e religiosa comecei a pouco e pouco a compreender melhor porque é que a minha avó, nascida e criada numa pequena freguesia de S. Miguel, teimava dizer que “Três foi a conta que Deus fez”. Longe de toda a ciência dos números, ela bateu tudo e todos com o seu conhecimento. E enquanto para ela a fé era razão suficiente para em números representar a essência do seu divino, muitos físicos e matemáticos da cristandade acreditam que os números apontam para Deus ou em outros casos para uma entidade divina.
Portanto, da próxima vez que se confrontar com números não se esqueça da sua simbologia filosófica e religiosa.

Thursday, January 03, 2008

A morte do feminino





Sem dúvida que as duas mais eficazes armas da mulher são a sensualidade e a inteligência. Ambas felizmente dissassociadas das imagens que prevalecem na sociedade moderna, que forçam uma mentalidade muito estereotipada do que deve ser a beleza feminina. Sensualidade e inteligência caracterizam qualquer mulher e são independentes de conceitos de perfeição física. Qualquer mulher pode e deve ser sensual, independentemente do tamanho, feitio, cor, religião ou estado civil. Assim sendo e, uma vez que este trabalho é dedicado em parte às mulheres de países islâmicos, só porque se vive sob os preceitos dos islão, não se deixa de ser mulher com uma “cunnus” própria, inteligência e sensualidade. Sensualismo de acordo com o dicionário Editora da Língua Portuguesa 2008 é a “doutrina segundo a qual todos os nossos conhecimentos vêm das sensações, consideradas como condição necessária e suficiente de todos eles, mesmo os mais abstractos; é a doutrina segundo a qual o belo se identifica com o agradável;.” Ora haverá no mundo algum ser humano desprovido de sensações, de conceitos de belo e agradável? Não me parece! Tudo o que é sensual diz respeito aos sentidos. É por isso relativo ao prazer físico ou sexual e encontra-se relacionado com o voluptuoso, ou lascivo. Ora para quem já passou por pelo menos um país islâmico e lida com imigrantes de várias regiões islâmicas sabe bem como os homens gostam de olhar o sensual alheio, mas reservam o direito de matar uma filha, em nome de um Deus cruel e inexistente, em plena sociedade aberta, multicultural e último reduto por eles escolhido para em liberdade continuarem as suas crenças e melhorarem as suas condições de vida. No Canadá jovem adolescente só porque desejava mostrar a sua sensualidade revelando um rosto e um cabelo livre do “hijab”, o tradicional lenço islâmico, foi assassinada. Aos 16 anos, a jovem de origem paquistanesa Aqsa Parvez, 16 foi estrangulada pelo pai Muhammad Parvez, um devoto islamista só porque, como afirmou um dos seus colegas de escola "ela adorava roupa…ela só queria mostrar a sua beleza... ela só queria vestir-se como nós, como uma pessoa normal.” Ela é mais uma vítima da intolerância masculina dentro do radicalismo islão, que controla fortemente o desejo feminino de liberdade. Aqsa foi uma das muitas “mortes de honra”, homicídios levados a cabo por todo o mundo da diáspora islamista, onde as jovens gerações de mulheres pretendem fazer parte das culturas que as receberam. A violência contra as mulheres no mundo islão tem aliados também no Canadá junto de jornais de renome nacional, que teimam não tratar estas questões com sinceridade com medo de se imiscuírem em questões do foro privado e religioso. O escândalo é tal que mesmo feministas islâmicas criticam estas atitudes passivas dos media e o silêncio das suas irmãs ocidentais, que facilitam esta mesmo opressão. “As feministas ocidentais querem fazer crer que se preocupam muito com o destino das mulheres no mundo islâmico no exterior, mas ignoram o que se passa dentro dos seus próprios países". Inteligência é igualmente outro atributo que pode levar uma mulher à morte. O caso mais falado nas últimas semanas: Benazir Bhutto, que longe de partilhar a inocência e as descobertas da sua jovem conterrânea a viver em Mississauga foi vítima do monstro Taliban, que no fundo ela própria criou. Buttho foi contudo muito além da inteligência e sensualidade. Como escreve Rosie Dimanno no Toronto Star “esta foi uma mulher que mentiu e manobrou com brio, fascinando os seus mais teimosos cépticos com a sua inteligência, charme e beleza”. Atributos ainda mal manobrados por Aqsa Parvez, que nem pode ter os seus colegas de escola no funeral, porque a família decidiu enterrá-la mais cedo e noutro cemitério, longe de tudo e de todos, numa sepultura anónima como um animal sem nome ou identidade.

Humberta Araújo


Imagens da desigualdade - Pictures of inequality



A Story of Palestine

Veja o Link - uma história sobre a Palestina.

Wednesday, January 02, 2008