Friday, January 25, 2008

O Pico no Feminino


Breves e serenas têm sido as minhas passagens pela ilha do Pico. Uma ilha que desde sempre se projectou no universo açoriano como uma ilha de homens.
Pico, a ilha do baleeiro: tecto e chão firme do homem destemido, que se aventurou pelas artesanais técnicas da caça ao majestoso cetáceo, encontrando no coração e na pena da maioria dos criadores de literatura e memória da ilha, um espaço privilegiado. O Pico (...), sacudindo-se de quando em vez dos abraços voluptuosos das etéreas nuvens, ou das carícias salgadas das ondas quando estas se insinuam em lânguidos sussurros pelas entranhas das barrocas do mar; o Pico do homem da terra que conquistou as andainas (estas faixas de terra entre a montanha e o mar) para as impregnar de batata, milho, trigo…; a ilha do homem que conquistou os mistérios – terrenos outrora de cultivo cobertos de lava durante as grandes erupções do vulcão do século XVIII;
O homem da vinha explorando espaços férteis por entre a pedra, penosamente transportada para formar os maroiços, testemunhos impressionantes - à beira do desaparecimento para perda da riqueza cultural e histórica da ilha - das dificuldades do homem em romper terreno fecundo.
Esta ilha é celebrada na sua imponência masculina, numa “injusta’ omissão da mulher picoense. Basta um olhar atento, meio dedo de conversa nas canadas da memória entre um figo maduro, uma aguardente da ilha, o bolo e um caldo de peixe para perceber que desde a azáfama da baleação, ao pastoreio, ao transporte da pedra para o maroiço e da lenha para o forno, à plantação das figueiras e da vinha, passando pela recolha do fruto para a aguardente, a atenção ao foguete anunciando a baleia e correr pela ilha fora, deixando os filhos sós e protegidos pelo silvado, para alertar o companheiro na encosta pescando; o carregar de canecas de água à cabeça e percorrer quilómetros para transportar comida e leite dos locais onde os homens cuidavam dos animais; tratar a terra para o plantio dos cereais, as infinitas tarefas domésticas, passando pelo culto religioso, a mulher picoense moldou o Pico como nenhum homem o fez. Nomes de mulheres na literatura e estudos históricos ou sociais são poucos. Um destes nomes que recentemente me chegou às mãos, foi o de Francisca Catarina, que viveu em S. João de 1846 a 1940. A leitura deste trabalho de Maria Norberta Amorim e Alberto Correia transportou-me para aqueles dias de Verão passados a entrevistar mulheres picoenses ex-emigrantes, que haviam regressado à ilha. Com elas descobri os encantos femininos do Pico, a labuta para conquistar terreno à lava que borda a negro os quintais da ilha. Há que fazer justiça à mulher picoense, através da recuperação da sua memória, dos estudos sociológicos e históricos. Vejo Francisca Catarina numa quente tarde de Outono, com o avental a transbordar de figos frescos, sentada junto à sua Casinha das Cavacas – território de montanha, que segundo estes autores, conquistara um espaço especial no coração de Catarina. Sem dúvida, o Pico tem muito de feminino.

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