Um pouco por toda a parte se fala do Acordo Ortográfico. Os portugueses espalhados pelas comunidades, de uma forma ou de outra, já ouviram falar nele. Talvez já saibam o que vai mudar na escrita da língua portuguesa. Talvez nem tanto. Nesta edição vamos fazer um pouco desta história e convidar alguns nomes importantes das artes, letras e ensino em Portugal, Estados Unidos e Canadá para nos darem uma imagem geral do que este acordo é, e o que significa
HUMBERTA ARAUJO
Relativamente às últimas sobre este acordo em Portugal, a aprovação do Protocolo Modificativo do Acordo foi adiado, ficando agendado agora para este ano – deveria ter sido no último Conselho de Ministros realizado no dia 27 de Dezembro, como anunciara o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado. O acordo geral foi alcançado em 1990 e deveria ter entrado em vigor em 1994 mas não foi porque só três países – Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Princípe – deram o sim ao acordo no geral e a dois protocolos modificativos que introduziram outras mudanças. O segundo destes protocolos, aprovado em 2004, ainda não contou com a ratificação de Portugal. É este que precisa ainda de ir a conselho de mi-nistros para validação e depois à Assembleia da República.
Este acordo geral não é o primeiro em Portugal e, dadas as muitas adaptacões necessárias, a ministra da Cultura já pediu 10 anos para a sua entrada em vigor. A nossa língua já passou por acordos em 1911, 1931 e ajustes de 1973. Reformas ortográficas não têm faltado na língua portuguesa. A última ocorreu nos anos 70 do século passado, quando no Brasil, em Portugal e nos territórios portugueses quase se acabou com o acento grave, e no Brasil com o acento diferencial.
Este é o primeiro acordo do século XXI e foi alcançado em 1991 entre os sete países de língua oficial portuguesa para ditar novas regras de como escrever palavras. Este acordo não muda a pronúncia de qualquer palavra. Isso é verdade para qualquer reforma ortográfica e não cria nem “destroi” palavras. A língua portuguesa é falada em mais de um país e de um continente. Por isso tem diferenças. Algumas destas variantes ainda não se encontram totalmente formadas, como acontece em Moçambique. As variedades do português, apresentam regras próprias que, nalguns casos, poderão estabelecer regras diferentes ou mesmo contrárias. E, segundo os especialistas, este acordo “não interfere com a coexistência ou com as regras de normas linguísticas regionais”. Actualmente, a língua portuguesa tem duas normas ortográficas: a usada no Brasil e a dos restantes países de língua portuguesa. Da aplicação das duas normas resultam muitas diferenças na forma de escrever. Reformas introduzidas no Brasil por uma lei de 1971 reduziram bastante as diferenças, mas persistem importantes divergências. Com este acordo pretende-se escrever as palavras nos países de língua portuguesa com uma única norma.
Mudanças em Portugal, países africanos de língua oficial portuguesa e Timor
“Eliminação de cês e pês não pronunciados em palavras como director, acção, protecção, baptismo, adoptar e excepção, as quais passam a escrever-se diretor, ação, proteção, batismo, adotar e exceção.
Principais alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico no Brasil
“Desaparece o trema. Em Portugal escreve-se aguentar no Brasil agüentar. O trema é colocado sobre o "u" para indicar que esta letra é pronunciada. Em Portugal o trema não se usa desde 1945.
O ditongo ei em palavras graves nunca é acentuado graficamente. Deixa-se de usar acento em palavras como assembléia e idéia, que actualmente não levam acento em Portugal”.
Alterações para todos os países de língua portuguesa
“É simplificado e reduzido o emprego do hífen. O ditongo oi em palavras graves ou paroxítonas não leva acento. Escreveremos boia e heroico em vez de bóia e heróico”.
Línguas mudam ortografia
Não tem sido só o português a mudar a ortografia: o espanhol (em 1815 para todos os países de língua espanhola); O alemão; o holandês por volta de 1900 sofreu uma alteração radical; a forma de escrever o russo também mudou depois da revolução comunista. Após de 1949 as autoridades chinesas impuseram a simplificação de caracteres e no Japão depois da II Guerra Mundial o governo mandou que se eliminasse milhares de caracteres ideográficos, depois substituídos por caracteres fonéticos. A ortografia do inglês quase não foi alterada. Por isso é que a sua escrita tem muito pouco a ver com a pronúncia. Reformar seria muito difícil pois agora precisam de dois alfabetos: um para escrever as palavras e outro para saber a sua pronúncia. No nosso país, o fim de consoantes mudas e outras modificações radicais como o fim dos agás iniciais já poderiam ser hoje uma a realidade se tivesse ido para a frente um reforma proposta em 1878. Sobre tal deixamos como curiosidade uma passagem da Academia Real das Ciências de 26 de Dezembro de 1878 assinada no Porto por "Adriano de Abreu Cardoso Machado, Prezidente; Conde de Samodães; Manuel Felippe Coelho; Agostinho da Silva Vieira e Jozé Barbóza Leão.
“O parecer de que ésta reprezentação vai acompanhada, contem um sistema de ortografia e um método de o pôr em prática, os quais avaliareis como merecêrem. Os abaixo assinados apenas esprímem o dezejo e a esperança de que julgueis dever adòtal-os.”
Portugal prepara-se agora para exigir das editoras reedições de obras literárias para albergar as alterações do acordo e o Ministério da Educação do Brasil prepara a próxima licitação dos livros didáticos, pedindo a nova ortografia. "Esse edital para os livros que serão usados em 2009, deve ser fechado com as novas regras", afirmou a propósito o assessor especial do Ministério da Educação, Carlos Alberto Xavier.
Movimento contra o acordo em Portugal
Em 1986 um movimento de intelectuais contra o acordo surgiu em Portugal, encabeçado pelo escritor Vasco Graça Moura. Também o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares (MST) foi outro nome crítico deste acordo tendo afirmado no Expresso que “há mais de 10 anos que vivemos com esta espada suspensa sobre a cabeça; quando não têm mais nada com que se entreter para exibir a sua importância, os senhores da Academia das Ciências e os ministros dos Estrangeiros gostam de nos ameaçar com o acordo ortográfico, cujo objectivo único é por-nos a escrever como os brasileiros assim lhes facilitando a sua penetração e influência nos países de expressão portuguesa. Como disse Vasco Graça Moura, o acordo é um ‘diktat’ neo-colonial em que o mais forte (Brasil) determina a sua vontade ao mais fraco (Portugal)”. De salientar que MST recusou modificar a grafia de um dos seus livros editados no Brasil. “Perdoe-me a imodéstia, mas orgulho-me de ter feito bem mais pela nossa língua no Brasil o que todos esses que se dispõem a vendê-la como coisa velha e descartável” escreveu ainda MST. Vasco Graça Moura, a propósito do acordo, questionou já a ministra da Educação sobre as razões que a levou “a aceitar um conjunto de enormidades deste tipo e a desatender as muitas objecções que, sem dúvida, lhe chegaram da parte de inúmeros professores? (…) Não se vê que a avaliação dos professores, face ao novo estatuto, se vai tornar absolutamente impraticável nesta matéria? Nem que o ensino se vai degradar ainda mais? Será isto uma política da Educação? Será assim que a cooperação com os outros países de língua portuguesa vai ser mais eficaz, no tocante ao ensino e promoção da língua comum?”
Daniel de Sá
escritor - Açores
“Não gosto de acordos destes. A Língua nunca foi uma questão de acordo, acontecia naturalmente. As pessoas cultas criavam palavras novas do Latim ou do Grego, os marinheiros traziam-nas com o "ananás" ou com o "chá" de tupis-guaranis ou de chineses, dava-lhe o povo um jeito aqui outro acolá, fixavam-lhe as mudanças os gramáticos, ratificavam-nas os escritores. Veio a República e entendeu que podia mandar em tudo, até nela, na Língua. Isso foi em 1911, mas ficou o costume. (…) Estamos, sem dúvida a perder um pouco da nossa nacionalidade, história e individualidade. Os países que mantiveram a nossa Língua são uma amálgama preciosa de culturas, têm o seu percurso, o "sotaque" da escrita é mais facilmente compreensível do que o da fala oral. (…)
Relativamente ao ensino da nossa língua na diáspora devemos primeiro, talvez, saber a quem iremos ensinar. Nenhuma norma fará do Português de Portugal o padrão imutável. (…)
Quanto à adaptacão da produção literária com custos adicionais para as editoras isso é o disparate. Quem é da minha idade leu desde criança as histórias em quadradinhos que vinham do Brasil, ou até mesmo a revista "Cruzeiro". E nem por isso deixámos de aprender correctamente a nossa Língua. (…) Quanto à liberdade que resta ao criador em decidir manter o "seu velho" português, digo que Fernando Pessoa manteve quanta e enquanto quis, e não deixou de ser o maior poeta português do século XX. Pessoalmente acho uma incongruência a "obrigatoriedade de mudar" logo que o acordo se torne lei. Uma arbitrariedade de um governo cujo chefe é capaz de dizer uma aberração destas:"eu sou daqueles que acredito"... Pois eu não sou daqueles que acreditam que a democracia da Língua seja isto."
Onésimo Teotónio de Almeida
professor/escritor - EUA
"Acho que sim que se justifica este acordo. Não há razão para haver duas grafias da língua. Existem duas grafias em inglês, a inglesa e a americana, mas as diferenças são mínimas. Não têm os problemas de acentos. Há muito que era preciso aproximarmos mais as grafias das duas versões do português. O Brasil não se deve importar. Quem se deve importar é Portugal. A verdade é que nunca estamos preparados para nada. Portugal não estava preparado para a democracia e hoje tem-na. (…) Não estamos a perder nacionalidade, história e individualidade. Daqui a uns anos ninguém mais de se lembrará de como em 2007 se escrevia certas palavras. Alguém sente que perdeu a identidade portuguesa porque já não escrevemos "pharmácia" ou 'prompto" ou Ignácio? Sobre o ensino nas comunidades a nova ortografia aprende-se num instante. No passado já houve alterações ortográficas. Quem tiver dúvidas tente ler "Os Lusíadas" no original. (…) Quem quiser teimar a escrever à antiga, que o faça. É como a missa em latim. Assassinar a herança literária com as modificações? Se isso fosse verdade então muitos assassinatos foram cometidos ao longo da história com as sucessivas alterações da ortografia desde as cantigas de amigo. Quanto à liberdade deixada ao criador acho que mais importante do que acertar as agulhas numa palavra ou noutra agora alterada seria importante as pessoas deixarem de cometer erros. Os criadores portugueses não deixarão de ser menos criadores por se lhe alterarem uma dúzia e meia de regras ortográficas. Pessoalmente não vejo por que razão não haveria de adaptar as mudanças. Primeiro porque é uma lei. Segundo porque não vejo razão para me tornar objector de consciência por causa disso. Terceiro porque acho que a grafia da língua não constitui de modo nenhum um elemento fundamental da identidade seja de quem for.(…)"
Eduardo Bettencourt Pinto
poeta-Canadá
“Não sei até que ponto os países lusófonos estão preparados para um acordo destes. A questão arrasta-se há anos e até agora, creio, não se tem visto qualquer resultado. Cada país tem as suas particularidades linguísticas, e há sempre a tendência de os mesmos seguirem os seus padrões culturais. Cabe aos responsáveis das Pastas da Educação dos países membros de seguirem as normas acordadas e impô-las nos seus circuitos educativos. Quanto à possibilidade desta acordo afectar a produção literária acho que ele exigirá certamente um período de adaptação por parte de todos aqueles que usam a língua como veículo comunicativo e de arte. Como poeta a viver no Canadá a necessidade de adaptação pessoal e a posição do governo de exigir das editoras revisão de obras já editadas, não sei até que ponto será financeiramente exequível uma revisão dessas. As editoras portuguesas, por exemplo, atravessam neste momento uma crise grave. Embarcar num projecto de revisão de livros já publicados não só me parece excessivo e desnecessário, como também inviável economicamente. O mercado de livros, como se sabe, é pobre. Lê-se muito pouco.
A nível pessoal farei todos os possíveis para estar actualizado, desde que haja uma norma estabelecida e seguida oficialmente."
Luiz António de Assis Brasil
escritor - Brasil
"Este acordo justifica-se, e muito. É o momento de unificarmos a grafia da língua portuguesa. Chega de passar vergonha na ONU, quando perguntam a nossos diplomatas, ironicamente, qual o português que está valendo. Vamos pensar modernamente, como fez a Espanha: a grafia da língua espanhola é uma só, no mundo todo. Os sotaque sim, esses variam, e são ricos e instigantes. Neste momento estamos preparadíssimos para olhar as modificações ortográficas; ademais, o acordo alterará apenas 0,48% de nossas palavras. Em Portugal, terão de alterar 1,56%. Outra coisa: a grafia das palavras, um acento aqui, outro acolá, isso nada tem a ver com a identidade cultural de um povo. Quanto à possibilidade de perdermos parte da nossa nacionalidade, história e individualidade, nem um pouco: não perderemos rigorosamente nada. (…) Quanto à edição e adaptacão de obras, as editoras, muito ao contrário do que pensam, aumentarão seus lucros, pois um livro impresso aqui poderá circular plenamente em Portugal, e vice-versa. Para publicar seus livros, não mudará nada. Ao criador resta-lhe toda liberdade. Criar algo, do ponto de vista literário, tem a ver com a inovação e ousadia das idéias, e não com a grafia das palavras com que essas idéias ousadas e inovadoras são transmitidas. Pessoalmente encaro este acordo oportuno, decente, recomendável. Sou um dos maiores entusiastas brasileiros do acordo, acolhendo-o como uma expressão de inteligência. (…)"
António M. Machado Pires
ex-reitor UA - especialista estudos nemesianos
"Um acordo ortográfico só se justifica se tiver condições para ser posto em prática. Seria benéfico para uma acção unificada da Língua Portuguesa no mundo, pelo número de falantes e pelo mercado de livros. Mas as diferenças culturais e identitárias entre Portugal e o Brasil, principalmente, o peso da “tradição” escrita e a indiferença do cidadão comum apontam para mais um esforço vão. Uma língua é uma realidade viva que não se controla por convenções impostas, sobretudo quando se apontam modificações e alterações como as que estão em causa. Não estamos preparados para pensar em “marcas culturais”, pois hoje a cultura é um conceito muito vago! (…)A língua faz parte do património multi-secular. A melhor forma de defendê-la é ensiná-la bem, escrever (e ler autores portugueses). Quando falo no ensino, refiro-me não só do português em Portugal como no estrangeiro (leitorados). A questão da língua deve ser vista como um todo. Cada vez que descuidamos o ensino da Língua e da História de Portugal estamos a perder identidade. E ninguém nos vai valorizar e defender se não formos nós próprios. (…) A atenção dada ao ensino do Português nas zonas que se costumam designar por diáspora deve ser grande. É uma reserva do Português que garante a continuidade da Cultura Portuguesa no mundo. Merece a maior atenção dos políticos e da política portuguesa. Quem semeia a língua semeia a “alma”; quem fala uma determinada língua impõe o mundo que lhe está por detrás. (…) Na era pós-acordo (se chegar) ter-se-á de publicar (e ensinar!) conforme o acordo. Mas as edições anteriores valem o que valem. As alterações são respeitantes a normas mínimas de ortografia comum. A expressividade de cada “feição” do Português mantém-se. O que nos parece é que as diferenças “de fundo” entre o Português de Portugal e o Português do Brasil são tais que não é possível, no mundo global de hoje, impor normas. De resto acordos ortográficos já não estão na moda. As tentativas anteriores (Portugal / Brasil) são história. Hoje a realidade é escrever-se como cada comunidade praticar a escrita. A maioria dos Portugueses (sobretudo os mais velhos!) vai continuar a escrever como escrevia e o Brasil ainda o fará com mais indiferença. Poderá haver (em Portugal) uma prática nos documentos oficiais e outra na pena dos cidadãos comuns. O que será desastroso e ridículo. (…) As pessoas vão escrever como escreviam; Passa a haver dois usos do Português, o que será ridículo e prejudicial (…) Porque não aceitar que há duas práticas de Língua Portuguesa no mundo (se pensarmos mormente nos dois universos em confronto, Portugal e Brasil) e continuar a fortalecer o ensino do Português (tradicional) de Portugal, a ver no que dá? São, afinal, universos culturais afins, mas diversos, que a língua traduz. Não é um documento normativo importante que subjuga uma prática viva comum. É tarde. E talvez seja melhor assim. (…)"
Lélia Nunes - investigadora
Santa Catarina – Brasil
"Assinado em 1990, engavetado por 17 anos está de volta a discussão sobre o acordo ortográfico. (...) Aliás, o próprio Ministério da Educação do Brasil chegou a anunciar que em 2008 o propalado acordo passa a vigorar. Ainda bem que não passou de mais um anúncio e que não vai a lugar nenhum. (…) Não é inovador e muito menos unifica escrita de fato. Mexe em acentuação ortográfica como o acento diferencial e o trema, elimina consoante como se afeto ou afecto fosse diferente nas duas margens só porque um escreve com c e outro sem c. Se a justificativa da sua necessidade é o nosso maior entendimento mútuo, então encaro com muito ceticismo a realização de um acordo ortográfico nestes termos por ser muito mais político do que uma real mudança da representação simbólica do que falamos – a dinamicidade da linguagem. Estarmos preparados é diferente de aceitar ou concordar com o que se pretende como Reforma Ortográfica. A preparação passa por um grande dispêndio econômico e desgate político interno. Não podemos esquecer que é algo imposto, vem de cima pra baixo. (…) Antes de tudo vai depender muito de vontade política, de competência para bancar o acordo e capacidade orçamentária para realizá-lo. (…) Isto são apenas convenções e com elas não perdemos identidade cultural. (…) O português falado e escrito no Brasil continuará com sua musicalidade brejeira, com a doçura que lhe é peculiar. (…) A língua é nosso patrimônio cultural. A nossa identidade está na alegria contagiante, sensual, cheia de volteios vibrantes, carinhosos que colorem, amorenam e dão graça à escrita brasileira com ou sem os "Cês. Por outro lado, a escrita cheia de letras mudas – afecto, facto, contacto – não impediu o português de Fernando Pessoa de ser amado ou José Saramago de ser best-seller no Brasil.
No Brasil, a discussão ainda vai pelos labirintos acadêmicos. (…) No que diz respeito ao trabalho das editoras, a curto prazo vão perder com a implantação das normas do acordo pois terão que adequar à nova grafia desde os simples catálogos à seu banco de dados. Mas, as editoras brasileiras, num futuro próximo, vão lucrar e muito. Pois, o livro aqui produzido poderá ser circular em Portugal e da mesma forma os livros portugueses. (…) Acredito que uma herança literária jamais será “assassinada” devido a uma alteração ortográfica. Ela é e será sempre o patrimônio cultural de um povo e, o criador tem sempre liberdade: o seu livre pensar e criar. (…)Todavia, encaro este acordo com ceticismo. Reafirmo: não se trata de uma verdadeira reforma ortográfica na acepção da palavra. Esta já nasceu com falhas de percurso histórico e político. O acordo foi ratificado por apenas três países membros da CPLP, entre estes o Brasil, em 2004, E Portugal não era um deles. Como pode se falar em acordo sem Portugal? (...) É esperar pra ver, enquanto isso vamos alçando vôos por mares de afectos."
Urbano Bettencourt
docente UA - escritor
"Se pensarmos em termos multi-laterais, é claro que não precisamos de qualquer acordo para nos entendermos uns aos outros. Passei a adolescência a ler escritores brasileiros sem qualquer adaptação ortográfica e não foi por isso que deixei de entendê-los e de amá-los, nem isso afectou a minha escrita europeia.
Em termos internos, a supressão de consoantes mudas simplifica a ortografia e a aprendizagem? Eles dizem que sim, embora quem, como eu, contacta diariamente com a expressão escrita verifica que os maiores problemas até não passam por aí, pela falta de um “c” que se ausentou para parte incerta.
A ortografia é apenas a (possível) representação do que falamos, mais próxima da etimologia, mais próxima da fonética, conforme o critério adoptado, o que quer dizer que há aqui uma forte componente de convencionalismo. Sem isto, sem o trabalho de sistematização ou normalização, ainda estaríamos hoje a ver o 'çapateiro de Gil Vicente que vay à barca do parayso pedir ao barqueyro que o leve nella'.
Perdeu-se alguma coisa da nossa individualidade com a passagem ao que temos hoje? Creio que não. Com o acordo ortográfico eu continuarei a cantar “adoremos com afetos de alma o Espírito Santo Divino” com a mesma emoção com que hoje o faço no terço cantado ao Espírito Santo. Bem sei que vou tropeçar em coisas esquisitas como “creem” e vou ter de crer que aquilo é mesmo o verbo “crer” no presente do indicativo, 3.ª pessoa do plural (coisa idêntica para “descreem, preveem, e por aí adiante). A questão do ensino na diáspora já suscita questões de outra natureza. Terá o governo dinheiro e sobretudo vontade política e capacidade para apoiar a nova situação resultante do acordo? Aqui, vocês estarão mais aptos a responder, pela experiência do passado e do presente. Mas neste domínio do ensino do português no estrangeiro (e no país), o verdadeiro monstro é uma coisa que se encontra em cozedura nos gabinetes do Ministério e que se chama TLEBS, ou seja, a nova terminologia línguística para o ensino básico e secundário.
Parece que devido à nossa proverbial lentidão e inépcia, vamos ter dez anos para nos adaptarmos à nova grafia, segundo terá dito a senhora Ministra da Cultura de Portugal continental. Não sei se nessa altura ainda andarei por cá. Entretanto, hei-de (ou hei de ) ir escrevendo sem preocupações de maior.(...)"
Graça Castanho, ph.d
ex- cons. ensino português nos EUA/Bermuda
"Um acordo que vise a uniformização de critérios linguísticos a usar pelos falantes dos países de língua portuguesa é uma medida urgente e necessária. (…) O acordo justifica-se porquanto é necessário chegar a um entendimento alargado e consensual entre as partes interessadas sobre as regras básicas comuns de escrita. Este passo, para além de corresponsabilizar todos os envolvidos nesta questão, constituirá um travão à caminhada individual que cada país tem traçado para a língua portuguesa no seu espaço geográfico. Neste momento, temos o Brasil a reclamar uma língua própria, Moçambique e Angola também já questionam se a língua que usam é Português Continental ou se não será outro idioma. Do conjunto de países de língua portuguesa, Portugal é, sem dúvida, aquele que terá mais dificuldade em aceitar o acordo ortográfico. Há muita resistência à mudança e à consequente perda de prestígio e controle sobre os destinos da língua. (…) A nossa insignificância numérica (somos 10 milhões de habitantes em Portugal) obriga-nos a ser um parceiro entre os demais, cabendo, sem sombra de dúvida, ao Brasil (país com perto de 200 milhões de falantes do Português) o papel decisivo quanto ao futuro da língua portuguesa no mundo.
Quanto à marca cultural que nos vem da língua, tal asserção não passa de uma falácia. As línguas sempre se alteraram ao longo dos tempos. (…) O Português moderno nasce só no século XVI. Daqui até aos nossos dias as mudanças têm sido abissais e prometem continuar a bom ritmo na língua portuguesa e em todas as línguas do planeta. Acho que não há motivos para alarmismos desnecessários. (…) A língua é um aspecto cultural entre muitas outras dimensões que nos caracterizam como povo. (…) O que importa saber é se essas mudanças nos enriquecem, se aproximam cada vez mais os diferentes povos e raças, e se reforçam valores e princípios morais que dignificam a existência humana. A partir do momento em que o acordo entrar em vigor deve haver um esforço por parte de todos nós para corresponder às regras que vierem a ser acordadas. (…) A herança literária tem mais a ver com as ideias, conceitos e crenças do que propriamente com o registo. (…) A língua portuguesa não é, desde o século XVI, a língua de Portugal. É sim a língua dos falantes do Português quer eles estejam na América, na Europa, na África ou na Ásia. O facto de nos encontrarmos neste momento a discutir formas de uniformização linguística deve ser motivo de grande orgulho para nós portugueses. Isso só pode acontecer com as grandes línguas, com as línguas de expansão mundial. As línguas com poucos falantes não têm nada para negociar. Correm inclusivamente o risco de desaparecer. O português não está em crise. Antes pelo contrário, está em crescimento nos quatro cantos do mundo. Por isso é que necessita de um acordo (…)".
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