Wednesday, May 14, 2008

O Meu Nome é Saudade

"O Meu nome é Saudade" faz parte de um projecto internacional que a RTP vai emitir e que pretende dar a conhecer o mundo da diaspora "infanto-juvenil".
Deixe o seu comentario sobre a historia e o que pensa do projecto. Estrangeirismos e "erros" sao proprios da linguagem utilizada pelos personagens.

Humberta Araujo
Autora

O meu nome é Saudade
My name is “Saudade”

I

“Faz-me mállássádás, grandma”

A algazarra é grande na cozinha.
“Grandma, make me some mállássádás.”
“Maria, explica-me a esta minha neta, que não estamos no Carnaval.”
“Honey, your vavó can’t cook malassadas, now. We are not in Carnaval.”
“Please mom, ask vavó to make mállássádás for me. Pode ser just one…please.”
“Dear Nancy, vavó can’t just cook one malassada. Besides, they are just made during Carnaval. E agora estamos no Verão.”
“Mas eu gosta tanto, mãe. Please…”
“Ok Saudade,” diz a avó Beatriz, que escuta a conversa entre neta e filha. “Esta menina é uma gulosa. Granma vai cook malassadas for you. Mas diz direito com a avó: malassadas”
“Mállássádás.”
“No, Saudade! Malassadas.”
“Mállássádás.”
“Ok, mállássádás. Dá cá um abraço forte à tua granma.”
“ Thank you, querida granny. I love you.”
“I love you too, Saudade.”

Nancy, é o meu nome. Mas a minha avó chama-me Saudade. Por isso sempre tive dois nomes: aquele pelo qual sou conhecida na escola pelos professores e amigas; o outro pela minha avó. Na nossa casa, o meu pai que não é português, também me chama Saudade. A minha grandma não fala muito inglês. Ela emigrou para o Canadá há muitos anos para se juntar ao meu avô, que trabalhava nos caminhos-de-ferro. Mas eu sei que ela sabe mais inglês do que mostra. A minha avó é muito orgulhosa, e só quer que se fale português na nossa casa.
“Please grandma give me a cookie.”
“Não sei o que estás a dizer. Mas se queres ‘cookies’ o melhor é pedires biscoitos.”
E ela ri muito. Eu adoro rir com a minha grandma. A minha mãe também se diverte muito com a teimosia da minha avó. As duas estão sempre a falar entre si e, eu divirto-me imenso, a ouvi-las. Parecem duas papagaias. Eu percebo muito pouco do que dizem. Acho que isto é mau, porque com toda a certeza, fico sempre de fora de muitos dos seus segredos. O meu pai também quer aprender português para fazer parte das conversas entre a avó e a mãe. Ele costuma dizer, a brincar, que as duas conspiram contra ele.
Quando elas estão juntas, gosto de ficar abraçada ao meu daddy, a olhar a avó e a mãe à volta das hortaliças e das carnes, que elas transformam em deliciosos pratos e sobremesas portuguesas.
Amanhã na minha escola há um festival de culturas. Só na minha turma tenho amigos e amigas de oito países diferentes: China, Iraque, Brasil, Jamaica, Índia, México, África do Sul e Vietname. Cada um de nós leva um prato típico preparado pelas nossas famílias. Alguns alunos vestem os seus trajes típicos. Gosto muito deste festival, porque fico a conhecer novos costumes, e posso dançar ao som de músicas de outros países.
Para este festival a minha avó, com a ajuda do pai, prepara um prato de arroz- doce enfeitado com corações de pó de canela. Este é um dos doces preferidos do meu father. Por isso ele já aprendeu a confeccioná-lo. Esta responsabilidade torna a minha granny nervosa. Ela fica sempre muito preocupada quando os seus pratos vão ser apreciados por outras pessoas.

“George, os hearts…no good! No good…too grandes. Pequenos, make them small, please…”
O pai, que não tem a paciência da minha grandma, vai desenhando no arroz grandes corações de canela, que na verdade mais parecem balões a rebentar.

“George…small…corações…please!”
O meu daddy, que já tem canela nos bigodes, começa a transpirar. Eu e a minha mãe ficamos as duas ao longe a observar e a rir. Acho aquela cena muito engraçada. A minha granny é que não está a achar graça nenhuma com o trabalho do meu querido pai.
“Sorry” diz o meu pai. Pérdoa-mê vóvó, diz ele abraçando a minha grandma, que já tem um sorriso do tamanho da lua, quando parece uma fatia de melancia.
“Ok…Ok…estás perdoado. Come here. Tenho arroz na panela para rapares.”
Agora sim, o meu pai com bigodes de canela, está completamente feliz.

II
O lanche

Estou a caminho da minha escola. Hoje vou poder provar muita comida saborosa e diferente. Mesmo assim, a minha avó insistiu para que eu levasse sopa quentinha para a escola. A minha grandma faz-me sempre uns lanches muito completos: sopa, sandes, fruta, sobremesa e um sumo. Eu sou a única pessoa naquela turma que tem um lanche assim. Por vezes, sinto-me embaraçada, porque todas as minhas amigas, levam lanches mais simples. Mas o meu tem sempre uma sopa. Para não deixar a minha granny triste, ofereço a sopa à minha amiga chinesa Chen, que adora os caldos da minha
avó. Em troca, ela dá-me os seus biscoitos da sorte. Gosto de abrir os “fortune cookies” para saber o que a sorte me reserva para cada dia.
“Saudade, minha querida neta. Comeste a sopinha toda?”
“Grandma eu come dessas comidas Portuguese que tu faz, mas eu não goste’ to take sopas to school.”
“Eu como querida! Não eu come. E as sopas are very good for you! O que é que a minha linda neta queria? Pão com peanut butter? Nem pensar. Não para a minha beautiful Saudade.
“Please grandma, eu não gosto de levá these soups all the time.”
“Saudade…gosto de levar…please. Tem cuidado com os verbos.”
“Grandma estes verbs são very dificult para mim…”
“Eu só tive a quarta-classe, mas vou ensinar-te os verbos em português, para nunca mais te enganares. Ok?”
“Ok, grandma. Depois me dizes também why you call me Saudade?”
“Digo-te one day. Um dia a avó explica-te why granma calls you, Saudade. Agora vamos aos verbos.”
“No more sopas grandma to escola. Please?”
“Vou pensar. Granma gone think. Se aprenderes os verbos, maybe granma não faz mais sopas?”
“Ok vavó. I love you!”
“Então vamos lá: eu como, tu comes, ele come…”
“Eu come, tu comas…”

III
O mandado

Hoje é Domingo. Ontem a minha avó ensinou-me um pouco mais dos verbos. Hoje, como sempre, ela levantou-se cedo. É o dia da missa. A mãe e o pai gostam muito do Domingo porque sempre podem dormir mais um pouco. Mas nunca perdem a missa. Vamos sempre juntos à igreja portuguesa. Eu não entendo muito o que o senhor padre diz, mas tenho a certeza que são coisas muito importantes, pois a minha granny fica espetada, que nem um lápis, a escutar com muita atenção o que o senhor padre diz. Não sei como é que ela consegue ficar tanto tempo parada e calada, pois em casa ela nunca descansa. Na igreja, quando a avó faz o sinal da cruz, ela fica sempre a olhar para mim, para ver se o faço direitinho, tal qual ela mo ensinou.
Aos Domingos, quando me levanto, o breakfast já está preparado e esperando por mim. Mas a minha granny faz um prato especial só para ela. E, ainda bem que assim é, porque aquela sopa que ela come, é mesmo muito estranha.
Chamam-se sopas de leite. Ela ferve o leite e depois espalha-o sobre o pão, que ela esmagou numa tigela grande, com as mãos. Depois junta açúcar.
“Grandma eu ‘pode’ meter o sugar?”
“Não é ‘pode’ querida. É posso.”
“Ok grandma. Posso meter o sugar?”
“Sim, minha querida Saudade. Vem cá para o colo da tua granma para provares um bocadinho das minhas sopas.”
“NO WAY!… Sorry grandma… No sopas de milk for me.”
Eu não gosto daquele breakfast da minha granny, mas gosto de saber da história das sopas. A minha vavó sabe muitas histórias. Algumas são verdadeiras, como aquela em que ela não podia ler ou brincar depois da escola.
“Mas o que fazias grandma after school?”
“Bom, depois da escola ia trabalhar. Ajudava à tua bisavó na cozinha. Ela sempre tinha coisas para eu fazer: descascar batatas, polvilhar a pá para levar o pão ao forno; procurar lenha para o lume; varrer a cozinha e tratar dos animais.”
“Animals…I love animals grandma…tell me about os teus animals”.
“Bom a avó ia tratar do porco, recolher os ovos e ver se tinham nascidos pintainhos. Dava comida e água ao meu cão, que se chamava Campeão. Apanhava ainda a roupa do fio e flores para enfeitar a casa.”
“Muito work grandma.”
“Sim. Mas todos trabalhavam lá em casa. Tínhamos que nos ajudar uns aos outros. Mas o que a granma mais gostava era de fazer mandados.”
“Manados? What is manados grandma?”
“Mandados querida? Bom como vou explicar? Olha, pergunta à tua mãe.”
“Mommy, mommy… what’s fazer manados?”
“Mais uma palavra portuguesa da tua grandma? Ok, honey… It means to go to the cornerstone to buy something, like milk, sugar or cheese. Um mandado was an errand. It was a job with lots of responsibility. Se te mandassem fazer um mandado, it meant that you were grown and ready to accept responsibilities.”
“Ok mommy posso ir fazer um manado para ti?”
“Mandado, querida. Soon honey. Um dia destes deixo-te ir, está bem?”
“Grandma… mother vai me mandar fazer um manado soon.”
“Que bom, querida... um manado.”
Granny and mommy riem às gargalhadas e abraçam-se.
“Vem cá Saudade, que a granma quer dar-te uma coisa.”
A minha grandma has a ‘piggy-bank’ hiding under her skirt. Num lindo lencinho bordado, ela guarda o seu dinheiro, que depois pendura no cinto da saia. Eu gosto de abrir o lencinho e encontrar notas e moedas que ela vai poupando.
“Grandma, porque guardas o teu money num lencinho?”
“É um velho costume da nossa terra. O money era pouco e poupávamos muito. Por isso tínhamos esta nossa carteira, feita com um lencinho, para guardar o dinheiro necessário para o dia a dia.”
“Eu também want um lencinho like your’s grandma.”

“E olha, aqui tens uma nota grande.”
“Obrigado grandma. Vou meter no meu lencinho, também.”
De repente, a campainha toca. Que bela surpresa…”

IV
Os jogos

“Hi uncle Charles. I am so happy to see you. I have a lencinho, like grandma, and mom will let me do a manado?”
“A what…?”
“Um mandado, Carlos,” explica a minha avó.
“Ok um mandado? That’s wonderful. I always loved mandados.”
“Mãe, lembras-te quando eu e a Maria brigávamos para irmos à loja do senhor Manuel fazer os mandados?”
“Sim filho, lembro-me bem!”
“Uncle, you also did manados?”
“Yes Nancy, and I always got to buy a soft drink, as a reward. It was called a Pirolito.”
“Piro…what? A soft drink with a very funny name.”
“It was the best soft drink ever. Eram deliciosos aqueles pirolitos.”

Eu estou muito feliz com a visita dos meus tios e das minhas primas. Agora compreendo porque a minha avó está a cozinhar tantos pratos diferentes.
“Crianças, it’s a beautiful day. Kids go to the park with uncle.”
“Maria, fala-me português com estas crianças.”
“Sim mãe, desculpa. Tens razão.”
Sei que a minha avó esta a ralhar com a minha mãe por falar em inglês connosco. É sempre assim com a minha avó.

Quando o sol está inteirinho no céu a olhar para mim, eu fico contente. E hoje estou duplamente alegre, pois o sol está gordinho e as minhas primas encontram-se comigo.
O meu tio gosta muito de nos ensinar os jogos infantis que jogava em Portugal quando era criança. Sempre que ele vem à cidade para nos visitar, trás sempre um novo jogo.
“Uncle, que jogo vais ensinar-me hoje?”
“The handkerchief game – o jogo do lencinho.”
“It sounds great, uncle.”
Estão mais crianças no parque. O meu tio convida-as, e de mãos dadas fazemos um círculo. O meu tio fica de fora com o lenço na mão correndo à nossa volta e dizendo:


O lencinho vai na minha mão, - The handkerchief is in my hand
Quando quer cai no chão, – When it wants, it falls
Ele aqui vai, ele aqui fica – Here it goes. Here it stays.
Em casa da tia Anica – At aunt Anica’s house.
Estamos todas muito atentas para ver onde o lenço vai cair.
“Oh my God…let it be me.”
O meu tio continua às voltas com o lencinho na mão. Ele ri, salta e canta. Tenho a certeza que vai deixar cair o lenço ao pé de mim.
“Vamos tio. Let the handkerchief fall.”
“Sejam pacientes, children.”

Preciso estar muito atenta. Se não observar com atenção e apanhar o lenço, vou de castigo prisioneira para dentro do círculo.
“I got it, tio. Apanhei o lenço.”
Durante horas corremos atrás do lenço. Muitas vezes fiquei prisioneira. Depois de tanta brincadeira, o sol torna-se de repente mais pequenino, e o meu estômago, começa a dar horas.
“Vamos embora, children. Time for dinner.”
Adoro o meu tio e os seus jogos do passado. Ao chegarmos a casa, um calor gostoso recebe-nos à porta. A mesa está linda, muito colorida com diferentes pratos, saladas, sobremesas, sumos, vinho e chá. Muitos aromas distintos invadem o meu nariz. Todos falam e riem. Os copos tilintam, enquanto o gramofone da minha grandma toca o seu fado favorito. O meu pai beija a minha mãe, que tem estrelas nos olhos. Grandma parece-me mais rosada e feliz. Tira agora o seu avental. Aproxima-se de mim a sorrir. Abre-me os seus braços e convida-me para entrar neles. Leva-me até à cozinha. E ali estão elas: perfumadas, fumegantes e doiradas. As minhas mállássádás.
“É por isso que te chamo Saudade. Porque you always make me remember what I can’t forget. Tu fazes granny ser fiel às suas raízes. E agora vamos jantar e depois comer as tuas mállássádás.”
“Vavó quero que me chames sempre Saudade.”
Fim

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