Thursday, May 29, 2008
A TRINDADE
Faltaram os foguetes. Não que me pareçam imprescindíveis. Sempre os achei um incómodo. Incomodava-me aquele rebentar contínuo e, eu ali, debaixo de um sol quente, colada às mãos da minha avó, sempre à espreita não me fosse cair em cima um resto quente de uma roqueira ou de um bombão e, acabasse a festa no consultório do Dr. Sampaio. Não eram só as dores que me preocupavam. Agonizava-me a imagem do Dr. Sampaio, com o seu nariz pontiagudo a olhar para mim, com aquele cheiro a álcool e a desinfectante.
Felizmente, nunca fui ferida por nenhum foguete. Considero tal possível, porque segui sempre com muita atenção a trajectória daquelas canas voadoras, que os homens aqueciam numa das extremidades onde se encontrava o pequeno recipiente de pólvora, com a ponta do cigarro. Depois do arranque inicial, lá iam as roqueiras e os “bombãs” fazendo por vezes uns ziguezagues no céu, indo terminar as suas curtas e barulhentas vidas, nos pastos ou nos quintais mais próximos.
Quando não me era exequível visionar os seus percursos, tentava encostar-me o mais possível às fachadas das casas, para me abrigar debaixo das telhas, não fosse em dia santo o diabo tecê-las.
Mas ontem em Oakville não houve foguetes a estalar nos céus, mas houve de tudo o mais que a festa da Função obriga. O pequeno império ostentando a pombinha, as crianças no coreto a jogar à bola, o ferver das sopas e as mulheres rosadas a partilhar um copo e a gargalhada, o ajudante com o suor em bico enquanto vai coando o caldo, o senhor padre feliz por ter casa cheia, a menina que aprende a preparar os tapetes de flores para a procissão, o céu azul que partilha o horizonte com a ramagem fresca que baila ao sabor da aragem, e a bandeira vermelha rasgando o horizonte, enquanto o trombone transpira e o vinho transborda.
Nada pode ser mais açoriano que isso. Nada diz mais da nossa pertença a este império que os símbolos e os detalhes da nossa herança.
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