O abandono escolar português resulta de factores de ordem social e cultural. As estatísticas estão aí. Embora talvez gostássemos que as mesmas não surgissem nos orgãos de comunicação social canadianos, ou que fossem transmitidas primeiro à comunidade, o facto é que os números, bonitos ou não, são oficiais e compilados por organismos estatais ou pelos corpos governamentais das escolas públicas e católicas. Estes são números igualmente confirmados por diversos outros estudos feitos por investigadores universitários em Toronto, Montreal e Vancouver.
Os corpos directivos das escolas têm os seus ‘trustees’, membros escolhidos pelos eleitores, cujo papel é auscultar as suas comunidades e aconselhar os ‘boards’ das escolas. Estes ‘trustees’ – portugueses ou não - há muito que conhecem os números do insucesso escolar português. Porém, e ao que parece, alguns gostam de os camuflar ou esquecê-los. Quem sabe, talvez por incapacidade de trazer à mesa as razões para os números; ou porque não encontram, no seu pequeno mundo, as medidas concretas para abordar o paradoxo. E digo paradoxo, por considerar que por si só este não é um problema – é tão somente uma visão diferente de ver a vida e o sucesso, que não se integra na perspectiva da superioridade intelectual comungada por muitos. Esta visão transporta consigo o desafio de compreender e aceitar como válidas as percepções de riqueza, reconhecimento social e satisfacão pessoal. Há, portanto, a fazer um trabalho profundo, que passa por uma auscultação honesta, junto dos alunos, das famílias, dos ‘boards’ e dos governos. Os jovens portugueses – a maioria destes 43% da escola pública (a situção deve ser idêntica na católica, embora fôssemos informados pelo departamento das relações comunitárias, que os números não existem - têm uma percepção diferente do sucesso. Filhos de famílias operárias, por razões sócio-económicas decidem iniciar uma profissão cedo (algumas com salários bastantes apreciáveis, nomeadamente no ramo da construção civil, restauração e pequenas empresas afins), pois querem garantir os meios materiais, que suportem a sua percepção de sucesso, em parte herdada da família, que imigrou para fugir à pobreza. A este factor há que aliar o facto de muitos destes jovens casarem extremamente cedo e, na maioria dos casos, com membros da sua comunidade linguística, os quais comugam dos mesmos valores.
Estes jovens abandonam o sistema não para entrarem numa vida de delinquência (como se constacta nas jovens comunidades africanas), mas para seguirem uma via de sucesso que consideram honrosa e herdada das famílias.
Não podemos também ignorar o forte impacto que o sistema ditactorial teve em várias gerações de portugueses. Apesar de ter constituído um sistema obrigatório de aprendizagem até à quarta-classe, nunca incutiu nos portugueses uma percepção de sucesso individual, que decerto levaria, a incitar ao conflicto e ao desmoronamento do sistema suportado pelos pilares : “Pátria, Deus e Família.” Por outro lado, e reflectindo particularmente no caso insular, a exploração da terra pelos rendeiros e a subserviência aos senhores proprietários e aos seus filhos ‘meninos doutores’ não serviu para alimentar no povo o desejo de ‘mandar os filhos estudar para a cidade’ antro de perdição de valores. Enquanto que os ‘meninos doutores’ viviam do fruto do trabalho das famílias a quem arrendavam a terra, os outros jovens viviam a trabalhar de sol a sol, para garantir o mínimo de dignidade. Este fosso cravou na alma açoriana uma certa aversão ‘ao estudo, à cidade’, à vida dos donos da terra. Assim, a virtude do homem e da mulher que emigrou continuou enraizada na ética do trabalho, do amor à terra e do respeito mútuo. Tendo em conta estes factores, poder-se-á dizer que o abandono escolar português não está aí para o escondermos ou para nos humilhar. Deve servir sim, para que mostremos aos restantes ‘canadianos’, que temos percepcões diferentes do sucesso, e que os nossos jovens necessitam é que o governo do Ontário, juntamente com os conselhos directivos das escolas, os ‘trustees’, (sejam eles quais forem), em parceria com os alunos, as famílias e a comunidade encontrem os caminhos e os meios que possam responder às necessidades dos nossos jovens e da economia da província. O país e a província necessita de mais imigrantes. Vamos junto dos actores deste processo tentar saber como é que os jovens portugueses, já equipados de uma ética profissional e pessoal forte, podem apoiar a província no seu desenvolvimento, enquanto garantem uma visão de sucesso portuguesa. A terminar, uma palavra aos nossos ‘trustees’: os orgãos de comunicação social portugueses, entre eles o Nove Ilhas, são tão ou mais conhecedores das questões comunitárias, que o “Toronto Sun” ou a ‘TVO” expôs. A vossa comunidade é a comunidade portuguesa e, por isso, a ela devem em primeiro lugar responder, nomeadamente quando inquiridos pelos OCS. E por favor, não deixemos no ar a vaga possibilidade de uma escola lusocêntrica.
Humberta Araujo
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