Tuesday, January 17, 2006

Meu amado dormindo em mãos de núvens...

"Lembras-te de como era sermos crianças sob um céu tão prenhe de segredos? Às vezes havia o medo - só por inquietantes momentos - o pavor de uma imprevisível lembrança. Recordo bem os olhares roubados à magnificência daquele estado de pureza onde a mágoa não consentia lugar. Como me lembro de ti..." Eu fora tão menina. Tão minúscula. Nada mais que uma pequenina vogal num livro repleto de palavras titânicas. Eu fora o "a"num concerto de doutrinas de onde me levaste numas mãos cheias de núvens. Depois comigo fizeste palavras. Tornei-me assim numa ave e tu te divertiste a ver-me voar. Cansada, deste-me uma árvore onde repousei só o necessário instante para que à minha boca levasses àgua da nascente. E, eu bebi do sémen da montanha. Parei para adivinhar do silêncio das letras, as valsas dos significados. Mas descobri-me num labirinto de desassossegos. Aninhei por isso o teu coração junto a um estranho bater do meu peito que em tempestuoso crecendo ia tomando conta de mim. Em que me transformava eu ainda mal havia nascido? Continuaria assim num labiríntico "a" - o princípio de todas as coisas - em lenta supressão. Tive medo. Foi então que me chamaste uma vez mais à tua mão de núvens. Com dificuldade voei até ti porque o meu peito crescia fora de mim. O teu olhar encontrou o meu perturbando o interior de mim com tal violência que esqueci quem era. Regressei embalada nas núvens das tuas mãos insensatas. Disseste que me amavas. Mas eu não entendi o teu dialecto e dei por mim com o peito a sangrar. Tão depressa o teu beijo poisou na minha ferida e eu já era alma. Vi o tempo e a pertença. E porque não te vi a ti voei, fugi. Só vi mar e a bruma que escondia o horizonte Chorei as tuas mãos de núvens. E neste choro descobri o que as letras não dizem nem as bocas se atrevem a mentir. Reconheci o espírito do tempo que eras tu , petrificado a meus pés recebendo o sal que me caia dos olhos. Tu eras a rocha negra que esposava a minha alma em desalento. Eu te beijei, basalto do meu combate. Enfeitei-me de musgos numa celebração apaixonada da tua fidelidade. Enquanto o mundo se digladia e as bocas confundem as palavras, a ilha fica sempre, qual marco perfeito da celebração entre o divino e a magnífica força do seio da esfera. Meu amado dormindo em mãos de núvens...

HUMBERTA ARAÚJO
 Posted by Picasa

No comments: